A galinha que sonhava ser gralha

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Um belo dia nasceu uma galinha. Era até ajeitadinha, mas no fundo não passava de uma galinha cujos pais, ávidos por ganhar novas terras, tiveram a brilhante ideia de a maquiarem como uma gralha, afinal, no sempre competitivo mundo do esporte, quem voa mais alto tem maiores chances. E a galinha, iludida, pensava mesmo ser uma ave diferente. E no começo o plano mirabolante funcionou muito bem. De vez em quando um tropeço aqui, outro acolá, mas a galinha dava sinais de ter mesmo se transformado numa gralha, tal qual um passe de mágica. E como toda ave que se preza, a galinha também botava ovos, alguns bem acima da média, tornando a avidez de seus pais ainda maior.

Enquanto havia energia de sobra a galinha conseguia se sustentar. E, para surpresa de muitos, começou a ganhar mais e mais fãs. Havia se tornado uma verdadeira potência no reinado do Sul maravilha. Com a autoestima lá em cima, fruto de tantas plásticas que quase tornaram os últimos traços de galinha imperceptíveis, nossa penosa de três cores começou a ter mais coragem, a ponto de sapecar urubu, porco, peixe… enfrentar fantasma, abocanhar tubarão, domar furacão… Passar por cima de seres míticos como o saci-pererê…

Musculosa a ponto de ganhar fanáticos seguidores, criou uma Fúria que se dizia independente, mas no fundo, lá no fundo, era mansa pela inveja de quem gostaria de comandar uma força tão fantástica como aquela gralha esplendorosa, a ponto de atrair criadores e criaturas nacionalmente conhecidas.

A ousadia chegou a tal ponto que a galinha sonhou em ganhar a América. Era demais!

Com o passar dos anos, no entanto, as manobras para tornar a galinha menos horrorosa foram sendo desmascaradas. Além disso, as outras aves – algumas de rapina – perceberam ser preciso se organizar, porque senão essa nova penosa seria mesmo capaz de criar asas e voar mais longe.

Os ovos começaram a rarear, até porque já não havia mais o alimento mágico que dava sustentação à pobre, nobre ave.

Os pais, desesperados, foram então atrás de um mecenas. Não satisfeitos procuraram outros milagreiros que diziam fazer nascer pelo em ovo. Mas onde estão os ovos?

A ração foi ficando mais rala, embora fosse vendida a peso de ouro para os pobres responsáveis pela avezinha que definhava lentamente, abocanhada pedaço a pedaço por lobos. Sim, lobos! Ora, quem transforma galinha em gralha não consegue enxergar os lobos em peles de cordeiros.

E eis que a Fúria se tornou ainda mais mansa, tal qual o riacho que beira o terreiro onde a nobre galinha deu seus primeiros voos. A Fúria, fétida como o mesmo riacho, quis, tal qual a avezinha, voar além de sua capacidade e chafurdaram juntos rumo ao abismo sem fim. Antes o sonho era conquistar a América…hoje é sobreviver. No máximo!

A gralha não era uma gralha. Era apenas uma simples galinha cujos pais usaram e abusaram de tudo que ela representava. Hoje, num terreiro às moscas, paira a saudade de tempos espetaculares…de voos inesquecíveis…Hoje, em meio às lágrimas, seus verdadeiros seguidores são humilhados sem dó nem piedade. De todos os lados as pedras são atiradas a ponto de quase não restarem penas a serem arrancadas já sem o menor esforço, porque a ave parece não ter mais forças. Nem de galinha, muito menos de gralha. Se nasceste gigante, nos tempos de hoje voa rasteiro. E cada vez mais para baixo!

Márcio Pimentel é jornalista e torcedor do saudoso Paraná Clube, rebaixado sumariamente à Série C do Campeonato Brasileiro por erros sucessivos cometidos ao longo do tempo.