Estupro – culpar a vítima não pode ser o novo normal!
Por óbvio que já se foi o tempo em que se podia desclassificar a vítima pela sua condição de gênero e/ou opção sexual para tentar legitimar qualquer delito praticado pelo acusado, com o objetivo de justificar a sua absolvição.
Em tempos já idos, o ato sexual era uma obrigação da mulher casada, o marido que flagrasse a sua mulher traindo poderia matá-la, juntamente com o amante, como forma de legitima defesa da honra. O homossexual podia apanhar ou ser violentado para “aprender a ser homem”.
Com o passar dos tempos, pelo menos em tese, o ser humano foi evoluindo e percebeu que nenhuma dessas discriminações deve ser aceita. Atualmente, ao menos em público, são raros aqueles que sustentem que estas atrocidades são razoáveis. Mesmo porque, não são!
Hoje assistindo ao trecho da audiência da influencer Mariana Ferrer, publicada pelo “The Intercept Brasil”, o sentimento de estar neste passado nefasto, quando o absurdo era normal e o machismo imperava, é incontrolável.
Na audiência, impossível discernir quem era a vítima e quem seria o autor do crime, uma vez que durante a sua oitiva, Mariana foi tratada de modo, para dizer o mínimo, desrespeitoso, sendo constrangida e humilhada pelo advogado de defesa. Na parte da audiência que foi disponibilizada não é possível ouvir a voz do ilustre representante do Ministério Público, que ficou absolutamente inerte ao ver a vítima sendo constrangida e sufocada. O magistrado, por sua vez, em uma postura absolutamente inaceitável, se limitou a questionar se a vítima – que implorava por respeito, somente respeito – gostaria de alguns minutos para se recompor.
Ao que parece, na cabeça do magistrado, o importante era a vítima se recompor, pois a audiência caminhava muito tranquilamente, dentro da legalidade. Só se fosse para ele e para os demais, não para a vítima.
De outra sorte, a lógica usada pela a defesa é a mesma utilizada em antigos, e emblemáticos, casos em que o homem matava a mulher para defender sua honra, culpar a vítima, desqualificando-a e dando a entender que ela deu motivos para que o crime fosse praticado, um completo absurdo.
O fato da vítima ser ou não puritana, devassa ou virgem, em nada modificam o ilícito de estupro. O ponto fundamental, sem sombra de dúvida, é o fato de a vítima estar ou não em estado de vulnerabilidade. O argumento de que a vítima postou em suas redes sociais fotos intimas, com ou sem roupa, em posições ginecológicas ou angelicais, em nada pode modificar a condenação ou a absolvição do acusado. É de suma importância enfatizar que, neste caso, a mulher não está sendo julgada, ELA É A VÍTIMA.
Ademais, não é possível olvidar que o representante da acusação ficou inerte diante dos absurdos e o magistrado agiu como se estivesse concordando com o debate travado pelo advogado e pela vítima, digno de filmes de Hollywood, que, por óbvio, não são admitidos pela legislação pátria.
Por fim, no caso concreto, com pedido do ilustre representante do Ministério Público, o acusado foi inocentado do crime de estupro de vulnerável, nos termos já noticiados pela vítima, que sempre temeu que ele se valesse de sua abastada condição financeira para sair ileso de qualquer condenação. Curioso observar que, ao que tudo indica, a vítima estava certa.
Diante de tudo, casos como estes devem ser combatidos com todas as forças, evitando que o vergonhoso passado nefasto se torne o “novo normal”.
Felipe Mello de Almeida é advogado criminalista, especialista em Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu e em Direito Penal Econômico Internacional
Luiza Pitta é advogada, Pós-Graduada em Direito Penal Econômico e associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais