Por uma pesquisa científica voltada para o desenvolvimento do país

4

Vivemos momentos complexos nos dias de hoje, decorrentes de uma pandemia onde um patógeno altamente contagiante exige de todos redobrados cuidados. Porém sabemos que, embora imprescindíveis, para a solução final e definitiva só nos resta uma esperança: a ciência. É no domínio do conhecimento, em toda a sua abrangência, que a humanidade deposita a certeza da sua sobrevivência e seu progresso. Não há outro caminho.

Porém, para o conhecimento se traduzir na sua resultante capital – o desenvolvimento sustentável do país, abrangente e justo, cujo resultado traz o bem-estar social e econômico – é imprescindível cumprir premissas fundamentais. E uma das premissas básicas é a convicção de que o conhecimento não se resume apenas à ciência pela ciência. Produzir ciência pela ciência é importante e imprescindível quando se trabalha com pesquisa básica, além de resultar em formação de recursos humanos para a academia e reconhecimento ao pesquisador e à universidade. Mas não necessariamente irá gerar progresso e bem-estar, sem o seu grande atributo: a tecnologia e a inovação.  Porque não há dúvida que o futuro pertencerá a quem for capaz de expandir o alcance da ciência e juntar a fronteira do conhecimento com os setores produtivos do país.

Portanto, sem o apanágio da tecnologia e a inovação, não teremos como formar um capital humano competente para desenvolver no país um verdadeiro sistema de inovação, sem o qual, por sua vez, não teremos condições para enfrentar e responder os desafios que os tempos atuais impõem a todos os países, além de outras premissas basilares que decorrem desse processo, como produtividade e competitividade. Sem tais atributos, estaremos produzindo uma ciência de alto nível, porém com resultado reduzido em termos de desenvolvimento. Exemplos não nos faltam. Veja-se a evolução exponencial do agronegócio. Fruto da ciência brasileira, da tecnologia e inovação da Embrapa, somada ao conhecimento produzido nas universidades, tornou o país o segundo maior exportador de alimentos do mundo, prestes a se tornar o primeiro. Ou então, para citar algo de hoje, a impressionante reação, quase instantânea, da ciência brasileira frente ao desafio avassalador da Covid-19, utilizando tecnologias que foram adequadas à pesquisa com o vírus.

Embora a nossa produção científica seja alta e sua publicação imprescindível, que nos coloca no 11º lugar no mundo, o reflexo desta ciência no desenvolvimento do país é reduzido, colocando o Brasil na 62ª posição no ranking de inovação de 2020, conforme a Agência Global de Inovação. São mais de 50 pontos de distância!

Por outro lado, como a formação de mestres e doutores está diretamente relacionada com a produção científica, precipuamente de caráter acadêmico, o mesmo se verifica quando se analisa os recursos humanos daí decorrentes. Com os projetos de tese e dissertação normalmente distantes da realidade socioeconômica do país, os recursos humanos ali formados trazem em si a vocação voltada para a academia e não para atuarem como pesquisadores junto ao setor produtivo.

Para tanto, como fazem os países desenvolvidos, é imprescindível planejar a formação de recursos humanos, respondendo conforme a evolução da demanda, seja na graduação ou na pós-graduação. Isto significa ofertar programas de pós-graduação alinhados com as demandas dos setores produtivos. De longe, isso não descaracteriza uma agência tradicional como a Capes. Pelo contrário. Torna-a balizadora do nosso desenvolvimento.

Balizada até hoje pelo Decreto 977 aprovado em 1965 pelo então Conselho Federal de Educação, fruto do magistral relatório de Newton Sucupira, é fundamental que a mesma assuma o planejamento nacional relacionado com a formação de recursos para o país e não apenas para a academia. Situação, que, de novo, não será fácil. Mas é absolutamente inadiável sairmos dessa apatia, que se aproxima da estagnação, com o risco claro de o Brasil, apesar da pujança da sua ciência, continuar estacionado no seu desenvolvimento tecnológico, muito aquém do gerado em países cuja produção científica equivale à nossa.

Para tanto exige-se uma mudança cultural decisiva, onde muros devem ser derrubados, linhas de pesquisa adequadas e readequadas conforme evolui a demanda do setor produtivo do país, implantando as tecnologias adequadas tanto para pesquisa como no ensino, com as agências de financiamento e formação de recursos humanos traçando os horizontes do futuro. É o que nos impõe a revolução tecnológica em curso. Colocar o Brasil alinhado tecnologicamente com a revolução 4.0 para poder se ombrear com o mundo desenvolvido.

Certamente existe relação entre as universidades brasileiras e o setor produtivo. Muitas delas altamente profícuas. Mas quando se compara essa realidade com a dos países desenvolvidos, percebe-se a distância a ser ainda percorrida pelo Brasil. Por exemplo, o destino dos nossos doutores formados no âmbito da Capes. Como há décadas, sua destinação segue o caminho inverso do que ocorre nos países desenvolvidos.

Enquanto nestes últimos 70% a 80% atuam no setor produtivo industrial, no caso do Brasil verifica-se exatamente o inverso. Conforme relatado no Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 verifica-se que o percentual de doutores atuando na indústria brasileira é de 7,1%.

Considerando que o Brasil forma anualmente em torno de 23 mil doutores, cabe perguntar: qual o destino desses doutores? Há na Capes algum estudo que defina as áreas prioritárias, fora do mundo acadêmico, para estimulá-las com bolsas e financiamento?  Há algum planejamento prévio para os 23 mil doutores formados anualmente? Ou tudo caminha de maneira inercial?

A necessidade e o incentivo da distribuição de mestres e doutores egressos dos programas de pós-graduação em outros âmbitos, além da academia, não é novidade. Já no segundo PNPG (1989) é estimulada a interação das agências federais com o setor empresarial. No Brasil, temos uma única agência responsável pela formação de doutores para todo o país. Fica claro, portanto, que a indução de mestrados e doutorados vinculados aos setores produtivos não representaria nenhuma novidade, devendo-se incluir, para tanto, a criação de uma área específica no âmbito da agência, responsável por essa demanda de tamanha importância.

Por isso é fundamental que as universidades se tornem vetores do desenvolvimento, em especial da região em que estão sediadas. Há exemplos em outros países, como nos Estados Unidos, com a Rota128 no Massachusetts e o Vale do Silício, na Califórnia.

Não é possível a universidade fechar-se sobre si mesma, produzir uma ciência de qualidade, sem que da mesma emane bem-estar social, justiça social, emprego, redução da desigualdade. Esta é a dívida da universidade para com a sociedade que arca com os recursos despendidos tanto para sua manutenção quanto para financiar a ciência ali produzida. Esta é sua responsabilidade social.

O mundo vive hoje grandes mudanças que a cada dia se apresentam mais disruptivas, mais desafiadoras, com velocidade num ritmo exponencial e com um potencial de amplitude e impacto jamais vistos que impedem prever o que nos espera daqui a dois ou três anos. É a Quarta Revolução Industrial acontecendo em plenitude: como escreveu Klaus Schwabb, fundador do Fórum Econômico Mundial, “são mudanças tão profundas que, na perspectiva da história humana, nunca houve um momento tão potencialmente promissor e perigoso”.

Há urgência de investimentos e melhoria na sua capacidade gerencial, por meio de inovação e tecnologias de robótica, inteligência artificial e outras, responsáveis por grandes ganhos de produtividade e competitividade em todo o mundo.

Esta revolução está assentada numa ciência, tecnologia e inovação levadas ao seu auge, velocidade e abrangência. Certamente espera-se de agências como a Capes e das nossas universidades respostas a essa situação, equivalentes à magnitude dos desafios.

Ou seja: respostas disruptivas.

Waldemiro Gremski é presidente do CRUB (Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras) e reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)