Que inglês você fala?

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“Ô, teacher, você morou fora quantos anos?”

“Teacher, você fala inglês britânico ou americano?”

“Tô pensando em fazer aulas com um falante nativo pra aprender inglês.”

Você, caro(a) colega de profissão, já deve ter ouvido isso de seus alunos em algum momento da sua carreira, não é verdade?  Digo isso por experiência própria: é grande a curiosidade dos alunos em saber como a teacher aprendeu a se comunicar em outra língua e se foi com um ‘falante nativo’. Isso sinaliza a existência de mitos muito recorrentes sobre a aprendizagem de língua estrangeira (no meu caso, a inglesa) e sobre os quais eu gostaria de tecer alguns comentários.

Tenho trabalhado como professora de inglês desde 2000, mas meu contato com esta língua começou ainda na adolescência, pelos idos dos anos de 1970. Lembro-me muito bem que, nessa época, existia uma mítica em torno de quem era capaz de se comunicar em outra língua. Na escola de idiomas onde comecei meus estudos, por exemplo, havia um certo ‘status’, digamos assim, se você fosse contemplado, naquele semestre, de ser aluno de um dos professores ‘nativos’.

Também me recordo de serem somente esses mesmos professores os responsáveis pela aplicação dos exames internacionais de proficiência em língua inglesa e das provas de produção oral por razões que dispensam comentários. Existia, nas entrelinhas desses exames e em nossas aulas de inglês, uma certa pressão para tentarmos reduzir ao máximo o nosso sotaque “brazuca” quando tentávamos no comunicar em língua inglesa.

Thank God time has changed!  (Graças a Deus, os tempos são outros!) Será mesmo? Tenho cá minhas dúvidas. Ainda persiste a ideia equivocada de que só seremos falantes perfeitos de língua inglesa ou de qualquer outra língua estrangeira se morarmos anos em outro país ou se nossa pronúncia for igual a de um ‘falante nativo’.  E aqui já começa o primeiro problema: qual é a sua referência de ‘falante nativo’?

Não se iluda com o primeiro impulso em afirmar que é uma pessoa nascida nos Estados Unidos, por exemplo. Esse é um país tão continental quanto o Brasil.  Faça, então, uma rápida comparação: qual seria o ‘falante nativo’ do português brasileiro? Um gaúcho? Um paraense? Um goiano? Um fluminense? Ou um paulista?

Talvez exista uma tendência em acharmos que o falar paulista ou carioca seria o típico português brasileiro, porém, isso se deve mais a questões políticas e econômicas do que linguísticas em si. E se expandirmos essa ideia a outros países que adotam a língua inglesa como oficial, tais como a Jamaica ou a África do Sul, obviamente, a dificuldade em se estabelecer um ‘padrão’ linguístico irá ser igualmente complexa.

Mas que tipo de inglês, então, devemos falar? Aquele que é possível e que cumpra o seu papel principal que é o da comunicação.  Mas e o sotaque? Todos vão perceber que sou estrangeiro(a).  Sim, e qual é o problema com isso?  O seu sotaque nada mais é do que o indicativo de que você é um ser bilíngue (ou trilíngue, ou multilíngue, quem sabe?) e está fazendo um esforço de comunicação na língua do outro. Simples assim.

Por fim, um outro mito que de me dá arrepios só em pensar é o fato de um ‘falante nativo’ ser considerado o melhor professor de línguas estrangeiras. Pense novamente comigo: você fala português há anos como língua materna. Você conseguiria dar aulas de português? Isso claro, caso você não tenha formação em Letras e tenha conhecimentos sobre os processos de ensino e aprendizagem, metodologias de ensino. Perceba: você tem domínio linguístico, sem sombra de dúvidas. Mas isso não é o suficiente para fazer de você um professor (a) de português. Por que então, acreditar que um ‘falante nativo’ de uma língua estrangeira seria?

Lembre-se que aprender – qualquer coisa que seja – demanda tempo, dedicação, esforço e comprometimento. A mesma lógica se aplica ao ensino de língua estrangeiras. Milagres não existem e, acredite, não é o fato de um ‘falante nativo’ ser seu (sua) professor (a) que irá garantir o seu sucesso de aprendizagem. Se você compreende e se faz entender, você está cumprindo com o papel principal que é o da comunicação. E não é justamente essa a razão pela qual nos aventuramos na aprendizagem de outros idiomas?

Edna Marta Oliveira da Silva é mestre em Estudos Linguísticos e professora do curso de Letras do Centro Universitário Internacional Uninter.