Tudo bem não é resposta

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Minha avó materna nasceu em 1928. Isso mesmo: hum mil, novecentos e vinte e oito. Com H! Aos 92 anos, do alto da sua lucidez avassaladora, segue contando as histórias do seu tempo – de um tempo em que as pessoas conversavam.

Diz ela que, assim que a luz do sol se acabava e a lamparina era acesa, começavam as rodas de prosa. As pessoas contavam causos, de gente viva e de assombração, da lida diária e dos sonhos de ir para a cidade grande. Os menores, no canto da sala, ouviam. E aprendiam para, mais tarde, contar aos seus.

Eu tenho saudades dessa época, saudades do que sequer vivi. Ainda criança, gostava de quando chovia porque sabia que, a qualquer momento, a luz se acabaria. Quando acontecia, era aquela correria: fecha as janelas, acende a vela!

Mas, após o alvoroço inicial, um silêncio mágico se instalava. Inevitavelmente, as pessoas se reuniam na sala e conversavam. Do lado de fora, o vento soprava, cachorros latiam, vizinhos cantavam, alguém tocava violão. E a gente escutava tudo sem o som da televisão.

Depois, vieram os avanços tecnológicos. É o progresso, minha vó diz. Muitas coisas boas vieram com ele, mas algo sagrado se quebrou. Uma parte da nossa alma foi morar dentro do computador. Se tem conserto, não sei.

Trocamos um bom papo por um “tudo bem” automático. Esquecemo-nos, constantemente, que estamos falando com gente. Temos cada vez mais medo de puxar prosa. E o “tudo bem”, nos tempos da minha vó, nem era resposta.

Eu cresci, mas continuo gostando de quando acaba a luz. Às vezes, a gente enxerga melhor no breu. Tenho olhos sempre atentos, mas, vez por outra, eles me enganam. Então, fecho-os. E no silêncio do meu verbo, na escuridão de dentro, enxergo.

Juliana Valentim é jornalista e escritora, com vasta experiência também na área de comunicação corporativa. Autora de três livros, transita por diferentes gêneros literários, passando pelas crônicas, poesias e romances. É palestrante, consultora de escrita criativa e gerencia o perfil no Instagram @palavrasquedancam.