Verdade mais verdadeira do mundo?

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Quase cinquenta anos depois, numa conversa de final de ano entre um causo e outro, entre fatos e exageros um dos irmãos questiona:

– Verdade mais verdadeira do mundo?

Não era necessário dizer mais nada. Imediatamente voltamos a nossa infância. O nosso código de honra fora acionado como nos tempos em que a ele recorríamos para tirar uma dúvida sobre uma situação não tão bem explicada.

Início da década de 1970. Vivíamos os três irmãos uma realidade que a nós nos parecia ser a única possível na face da terra. Tínhamos entre 4 e 8 anos e cumpríamos a rotina dos filhos de agricultores: ajudar na lida diária, ir à escola e frequentar a catequese. No dia a dia tínhamos que tirar leite, tratar os porcos, cuidar das galinhas e capinar na lavoura. Além disso, caminhávamos por quase quatro quilômetros até a escola. Aos sábados tínhamos a catequese e uma vez por mês íamos à missa no domingo. Na catequese aprendíamos os mandamentos cristãos e um deles dizia que não se pode usar o Santo Nome de Deus em vão. Dessa forma, quando estávamos diante de uma situação que exigia confirmar se fosse verdade ou não estávamos tentados a dizer “Eu juro por Deus!”. Entretanto, não era recomendável porque confrontava um dos mandamentos. O que fazer? Qual seria a solução para saber quando alguém estava dizendo a verdade ou poderia estar sonegando alguma informação sobre “a importante tarefa” de quem era a vez de secar a louça naquele dia? Ou como fazer para saber se realmente um dos irmãos havia feito ou deixado de fazer algo ordenado pelos pais? Responder em nome de Deus não era permitido. Assim, criamos um código que deveria ser usado com cuidado, porque jamais deveria ser quebrado. Era um tratado de honra. Desse modo, surgiu a expressão “Verdade Mais Verdadeira do Mundo” para mediar e garantir que a verdade estava sendo dita sem que um mandamento estivesse sendo quebrado.

Ao escutar a pergunta “Verdade mais verdadeira do mundo?” rimos a plenos pulmões, porque lembramos imediatamente do que se tratava. Destaco aqui a importância da estratégia criada e dos valores subjacentes ao código de honra. Estabelecemos normas, condições e um formato para usar um recurso que tratava com o outro, mas principalmente desafiava a relação de cada um consigo mesmo. Quando a pergunta era dirigida a você por um dos irmãos, ele o instigava, o provocava e o experimentava, levando o indagado a uma conversa interior profunda. “Estou sendo verdadeiro?”, “estou me aproveitando de alguma situação?” ou ainda, “sou de confiança?”. Ao ser confrontado com a pergunta a conversa era íntima. Enquanto não se proferia a resposta, o diálogo interno fazia com que cada um se questionasse e avaliasse os reflexos da situação na sua relação consigo mesmo e com os outros. O código de honra criado e estabelecido entre os irmãos tinha a capacidade de estimular o comportamento verdadeiro, mantendo a motivação para cumprir com aquilo que foi escolhido livremente por cada um. Os códigos de honra podem ser explícitos ou podem estar implícitos no ambiente em que circulamos ou nas relações que estabelecemos. Eles estão presentes e, quase sempre, sabemos como nos comportar para que se mantenha a coerência interna que traz em si os princípios e os valores individuais.

Qual é o seu código de honra? Qual é a sua “verdade mais verdadeira do mundo”?

Moacir Rauber

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