‘Gap de 8 anos no único evento para deficientes seria retrocesso’, diz Parsons

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O brasileiro Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), disse que não existe a possibilidade de os Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020, no Japão, serem cancelados, por mais que algumas entidades médicas do país oriental tentem anular. Em entrevista ao Estadão, ele acredita que até por causa da pandemia é fundamental que aconteça a competição para dar voz às pessoas com deficiência, “afetadas de maneira desproporcional pelo coronavírus”.

“É o momento de dar voz para 15% da população mundial. Um gap de oito anos no único evento global para deficientes seria um retrocesso gigantesco. A pandemia transformou a Paralimpíada do Japão na mais importante da história”, ressaltou.

Andrew, que já presidiu o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), disse que o IPC gastará US$ 900 milhões (R$ 4,7 bilhões) a mais do que o previsto só para medidas de combate à covid-19. Para tranquilizar a população local, contou que os atletas serão testados diariamente desde 96 horas antes de embarcar para o Japão. Só poderão sair da Vila Olímpica para o local de competição. E assim que terminarem suas disputas, terão de retornar para o país de origem. Os Jogos Paralímpicos acontecem de 24 de agosto a 5 de setembro.

Por que você acha que é importante ter os Jogos Paralímpicos em meio à pandemia?

Acredito que serão os Jogos mais importantes da história por causa disso. Se olhar ao redor, as pessoas com deficiência foram afetadas de forma desproporcional: 60% dos ingleses vítimas da covid tinham deficiência. Relatórios da ONU também apontam pesquisas nesse sentido. A pandemia destacou desigualdades que já existiam. Em um momento de stress do sistema, as políticas públicas não foram tão inclusivas. A Paralimpíada é o único evento global para os deficientes. O momento é de dar voz a 1 bilhão de pessoas, a 15% da população mundial. É o momento de eles serão escutados. A pandemia transformou a Paralimpíada do Japão na mais importante da história. Nos últimos anos, o IPC se aproximou ainda mais das questões de direitos humanos. Queremos trazer de volta essa pauta para o centro do debate. Um gap de 8 anos entre os Jogos do Rio-2016 e de Paris-2024 seria um retrocesso gigantesco.

Como está a expectativa para o início dos Jogos?

Por causa da situação de pandemia vai ser muito diferente de qualquer edição. Estamos trabalhando nas medidas de proteção, trabalhando com as autoridades. Mês que vem definiremos o número de espectadores. Estamos lidando com a situação do Japão. Sabemos que tem pesquisas que mostram uma visão negativa da população para os Jogos. A gente entende, a gente mora no Brasil, entende a sensação de incerteza da pandemia, que leva ao medo e à raiva e isso se reflete nos Jogos. Vamos respondendo a tudo com informação. Vamos detalhar todos os planos, que vai combinar testes, monitoramento e isolamento de eventuais casos positivos. Vamos informar que todas as delegações terão movimento restrito.

Como será feito o monitoramento?

Começará com dois testes feitos 96 horas antes do embarque, em locais certificados pelo Japão. Os atletas serão testados todos os dias. E o restante da população envolvida diretamente com os Jogos também será testada de maneira muito intensa também. A chance de alguém com teste positivo ter contato com cidadão é remota.

Na última sexta-feira começaram a vacinação dos atletas brasileiros. Como está sendo a organização para vacinar as pessoas que participarão diretamente dos Jogos?

Temos relacionamento muito próximo com todos os comitês nacionais. Antes do anúncio da Pfizer, a estimativa era que 60% dos participantes iriam chegar vacinados em Tóquio. Agora, com essa nova campanha, voltamos a contactar os comitês para reavaliar o porcentual. Tem países que já vacinaram todos atletas, a lista é muito longa.

O porcentual de vacinação pode mudar os protocolos?

Não muda nada, até porque o planejamento dos Jogos começou a ser feito com ou sem vacina. O IPC não tem como exigir ou demandar ao comitê a vacinação como condição para vir aos jogos. A vacina traz uma camada extra de proteção. É uma garantia maior.

Na última quinta-feira, o Sindicato Nacional de Médicos do Japão apresentou uma petição ao governo para que cancelem os Jogos de Tóquio. Existe a possibilidade ainda de não haver o evento?

Não, não existe. O que determina o cancelamento seria uma situação de agravamento muito grande da pandemia no Japão. A última coisa que queremos é colocar mais pressão nos serviços médicos do país. Temos soluções dentro da estrutura dos Jogos para lidar com casos positivos. As petições pelo cancelamento vêm de um conceito equivocado de que vai ter número grande de casos dentro da população dos Jogos e que vai tirar oportunidade da população japonesa ser tratada. Sempre tivemos só um princípio norteador: a saúde e o bem estar. Proteger atletas e população. E a partir dai tomamos as outras decisões.

Cerca de 40 cidades japonesas desistiram de receber atletas de outros países com receio de sobrecarga na rede hospitalar. Qual o impacto que esse movimento terá para a organização?

Atrapalha a preparação das delegações que iam se hospedar nas cidades. Mas não tem impacto operacional. É uma questão de comunicação que precisa ser resolvida. Talvez possa trazer até um pouco mais de controle, pois os atletas chegariam direto para a Vila. Vai interferir, claro, na preparação dos atletas.

Vocês vão monitorar também as delegações nos hotéis, no período de aclimatação?

Seguiremos os mesmos protocolos que já estão sendo feitos em outros eventos esportivos. Nenhum evento até aqui difundiu o vírus. Vai haver uma lista de locais obrigatórios que poderão frequentar e onde não poderão frequentar, por exemplo.

E como será quando chegarem na Vila Olímpica?

Os atletas vão da Vila para a instalação onde vão competir. E da instalação para a Vila. Eu, por exemplo, vou do meu quarto, para a instalação. Infelizmente não vou poder ir para a Vila. Vai ser uma experiência nova. A prioridade é tornar os Jogos mais seguros possível. Cada delegação terá uma figura oficial que manterá contato com a organização. Essa pessoa vai concentrar as informações relacionadas ao monitoramento, será o canal de comunicação.

Qual o impacto de a Paralimpíada ter atrasado um ano? Qual o custo desse atraso?

Só de custos adicionais para enfrentamento da covid, o Comitê gastará US$ 900 milhões (R$ 4,7 bilhões).

Como você vê a maneira como o Brasil está lidando com a pandemia?

Os números preocupam. Como qualquer cidadão, quero proteger minha família, então obedeço aos protocolos de distanciamento, uso máscara e fico em casa o máximo que posso. Do ponto de vista do IPC, estamos atentos, mas não tem um tratamento diferenciado. O atleta brasileiro não vai ser tratado de maneira diferente. Óbvio que uns países inspiram mais cuidados que outros. Tenho conversado bastante com Mizael sobre essas questões, fico feliz que começou a vacinação dos atletas brasileiros. Fico também muito orgulhoso que o CT Paralímpico seja um elemento importante nesse processo.

Acredita que países que combateram de maneira mais eficiente a pandemia terão resultados melhores?

Difícil dizer. Tem questões muito específicas para serem analisadas. O acesso ao treino, a infraestrutura de cada um. Ao mesmo tempo, países mais desenvolvidos têm mais atletas, precisam de maior estrutura. Só vamos conseguir ter noção mais clara depois de analisar os resultados. Tem também situações como no Brasil, que há um número alto de casos e mortes, mas que o CPB realizou protocolos bem rígidos e os atletas não foram tão impactados.