Nova exposição do Museu do Futebol homenageia goleiros e põe Barbosa no centro do debate sobre o racismo no Brasil

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Tempo de reação é o nome dado ao momento que o goleiro leva para iniciar o movimento da defesa após perceber um ataque em direção ao gol. É um fundamento básico para o goleiro, posição que completa 150 anos de existência em 2021. Na nova exposição temporária do Museu do Futebol, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, a expressão ganha outra dimensão ao trazer o goleiro Moacyr Barbosa (1921-2000) para o centro do debate. A mostra abre ao público no dia 19 de junho no espaço físico do museu, localizado embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu.

O arqueiro teve uma longa trajetória profissional, com grande sucesso nos times em que atuou, mas a memória sobre sua carreira é ainda aprisionada à derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1950. No ano em que completaria 100 anos, ele tem sua trajetória recontada sob outra perspectiva. Com o auxílio das lembranças e do acervo preservados por Tereza Borba, sua filha adotiva, os curadores problematizam a narrativa hegemônica da responsabilização do goleiro pelo “Maracanazo”. A partir daí, discutem-se também as consequências dessa narrativa para a história do futebol e para a trajetória do próprio Barbosa, evidências do racismo que estrutura o futebol e a sociedade brasileira. As reflexões e debates propostos pela mostra convidam o público a agir para mudar essa estrutura – pois o “tempo de reação” ao racismo é agora.

A mostra é um ponto de inflexão na agenda antirracista assumida pelo Museu do Futebol desde sua fundação, e que se aprofunda agora ante os acontecimentos de 2020, como o movimento Vidas Negras Importam. Tempo de Reação – 100 anos do goleiro Barbosa conta com patrocínio do SporTV, e com apoio da EMS Farmacêutica por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Tem como parceiro a Poker Esportes e consultoria de conteúdo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Coletivo Pretaria e Malik Esporte e Cultura.

A curadoria foi um processo participativo, envolvendo especialistas e representantes de diferentes setores do Museu do Futebol. Ao todo, cerca de 50 pessoas foram consultadas em seis meses de trabalho, que teve a coordenação da antropóloga Daniela Alfonsi e a consultoria de Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, e do ex-atleta do taekwondo e membro da comissão de atletas do COB, Diogo Silva. A pesquisa foi conduzida pelo historiador Marcel Tonini juntamente com a equipe do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, núcleo do museu responsável pelos acervos e pesquisas.

A exposição reúne extensa pesquisa feita a partir de entrevistas com especialistas, jornalistas, goleiros e biógrafos, conteúdo do Centro de Memória do Vasco e do acervo pessoal da família Barbosa, que foi digitalizado e será disponibilizado ao público pelo Museu do Futebol. A partir de fotos da carreira de Barbosa e áudios de entrevistas que ele concedeu ao longo da carreira, um vídeo exclusivo revisita a carreira do atleta, com comentários do ex-goleiro Aranha.

Dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, mapa de ações de combate ao racismo no futebol e um manifesto antirracista permeiam o espaço expositivo.

História e interatividade – A exposição também apresenta histórias e curiosidades sobre a posição do goleiro e sua evolução ao longo das décadas, além de, claro, muitas defesas espetaculares. Zetti, Jefferson, Thaís Picarte, Luciana, Carla e vários outros goleiros e goleiras dão depoimentos nos vídeos expostos ao longo da exposição.

As experiências interativas, que são uma marca do Museu do Futebol, também estão presentes na mostra. Na instalação “Visão a Contracampo”, o público se coloca sob uma trave de tamanho oficial, como se fosse o goleiro. À sua frente, numa tela de dez metros de largura, o visitante-goleiro vê os jogadores do time adversário pressionando a defesa, em jogadas em movimento, cobrança de falta e de pênalti.

Em outra instalação interativa, a “Rádio Grande Área”, o visitante escolhe uma defesa memorável de Jefferson, Dida ou Bárbara, das seleções brasileiras, para gravar uma narração em áudio, como se fosse um locutor de rádio. O material é enviado ao visitante por email, na sequência. Detalhe importante: por conta da pandemia de coronavírus, a instalação funciona por comando no celular do visitante, sem toque em nenhum equipamento do museu.

Raridades – Entre os objetos expostos, como fotografias de Barbosa, luvas de Aranha e das goleiras Thaís e Monique, e camisas de goleiro clássicas, destaca-se um pedaço das traves utilizadas no Maracanã na Copa do Mundo de 1950. Feitas de madeira e com quinas quadradas, as balizas que testemunharam o “Maracanazo” foram substituídas em 1968 para atender ao novo requisito que previa traves cilíndricas e de ferro nos campos oficiais. Os gestores do Maracanã chamaram Barbosa e a imprensa para marcar a troca e registrar o momento em que o goleiro tirou com as próprias mãos a trave que o abrigou em momentos marcantes de sua carreira.

Reza a lenda, alimentada por jornalistas da época, que uma das balizas ficou com Barbosa e ele a teria queimado anos depois como lenha para churrasco. O certo é que a outra seguiu para a pequena cidade de Muzambinho, no interior de Minas Gerais, e foi utilizada no campo amador da cidade até virar acervo da Casa de Cultura local. Este pedaço, doado pela instituição a Tereza Borba em 2014, agora será exibido na nova exposição do Museu do Futebol.

“O tempo, mais do que nunca, é de reação.
A atitude antirracista de cada um de nós
deve ser como estar em campo
buscando os melhores ângulos
para uma partida justa e épica.”
(Trecho do manifesto da exposição Tempo de Reação)

Da Assessoria