Protestos indicam realinhamento de forças políticas no Equador, diz analista

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Um aumento no preço dos combustíveis levou indígenas, camponeses e setores sindicais às ruas contra o presidente do Equador, Guillermo Lasso, na terça-feira, 26, e quarta-feira, 27, aumentando a tensão no cenário político do país. A movimentação acontece em meio a um estado de exceção, declarado em 18 de outubro, e a uma crise econômica desencadeada pela pandemia.

Para o professor e pesquisador da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales Franklin Ramirez, os protestos, que se assemelham às grandes manifestações de 2019, são um teste interno e externo para o movimento indígena, hoje figura central da oposição equatoriana. Também são uma forma encontrada pelos setores populares de combater a agenda de reformas pró-mercado de Lasso.

Para além do aumento no preço dos combustíveis, quais são as razões dessas manifestações?

O combustível é uma pauta que existe desde os protestos de outubro de 2019, a Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas) insiste nisso. Na época, a demanda era a retirada do decreto (assinado pelo então presidente Lenín Moreno) que acabou com os subsídios para combustíveis, hoje é a revisão de preços. É uma demanda que já tem um ciclo prolongado. Mas além disso, os protestos têm muita adesão de sindicatos que tentam barrar as reformas laborais que o Executivo pretende mandar para a Assembleia. E há um terceiro aspecto: os Pandora Papers e a necessidade de fiscalizar o presidente. Eu diria que em geral esses protestos são uma tentativa dos movimentos sociais e dos setores populares de procurar um redirecionamento geral da agenda pública de um presidente que já se mostrou disposto a levar suas reformas pró-mercado o mais longe possível, ainda que não tenha força política na Assembleia para isso.

De que forma elas se conectam com os protestos de 2019?

Uma primeira conexão é o protagonismo e a centralidade do movimento indígena. Em 2019 a convocatória foi feita por muitos setores, mas quem acabou na liderança foi a Conaie, por meio de uma aliança entre o movimento indígena e os sindicatos de trabalhadores e professores. A segunda conexão é a crítica às reformas neoliberais que ressurgiram a partir de 2018, sobretudo em 2019, quando se firmou o acordo com o FMI. Em terceiro lugar, eu diria que elas se conectam porque desde 2019 o protagonismo do movimento indígena reacomodou o tabuleiro político, e isso se reforça agora, quando a Conaie se torna a figura mais clara de reivindicação do campo popular frente às elites neoliberais e frente à indecisão de (o ex-presidente e opositor) Rafael Correa. Mas há um aspecto muito importante a ser destacado: nos últimos anos, vimos com claridade que o movimento indígena é muito heterogêneo. Há setores do movimento que estão com Lasso, com o governo, há uma parte da bancada legislativa do (partido indígena) Pachakutik que vem votando algumas iniciativas com Lasso. A presidente da Assembleia é do Pachakutik e é uma aliada firme do governo. Então para o movimento indígena, essa mobilização é também uma forma de reassegurar o movimento, de evitar que posições mais à direita ou mais pró-governo ganhem terreno. Esses protestos são também uma forma do movimento indígena harmonizar suas posições. Há um subtexto aí.

Como está a popularidade de Lasso neste momento?

A vacinação deu muita popularidade a Lasso, foi sua medida mais emblemática e exitosa, mas a apresentação dos projetos de reformas laboral e tributária diminuiu sua popularidade. Depois houve um aumento colossal de insegurança, homicídios, crise carcerária… há uma sensação enorme de insegurança, com a qual o governo não sabe lidar. Depois veio o anúncio dos Pandoras Papers, isso fez sua popularidade despencar. Lasso também lançou críticas muito fortes aos opositores, acusando-os de golpistas, conspiradores, isso ajuda a explicar a deterioração da sua imagem, para além da crise social e econômica. Na Assembleia ele não tem maioria. Ele também vem perdendo apoio dos seus aliados. A sensação é de que ele perdeu muito capital político em pouco tempo. E suas decisões de governo e políticas públicas não estão resolvendo alguns problemas fundamentais da população.

As eleições deste ano fortaleceram o movimento indígena?

O fortalecimento começou antes. Em fevereiro de 2019, nas eleições locais, o Pachakutik cresceu muito. Houve muita mobilização, se deu a impressão de que havia uma nova geração de jovens indígenas que irrompiam pela primeira vez em via pública. E aí chegam as eleições desse ano, quando o movimento conquistou uma enorme bancada, a própria votação do (candidato a presidência pelo Pachakutik) Yaku Pérez foi bastante significativa. Todas esses fatores deram muita força ao movimento social. O movimento indígena equatoriano nunca teve duas coisas ao mesmo tempo de modo tão claro: poder social e poder estatal. Ao mesmo tempo, esse crescimento do movimento indígena também implicou em sua diversificação. Há uma direita indígena, há uma série de demandas territoriais muito pontuais de determinados legisladores, e há uma série de agendas mais pontuais que vão além da luta contra o neoliberalismo, a política extrativista. O crescimento traz uma diversificação que torna muito complexo o movimento. Por isso acredito que essa mobilização também é uma forma do movimento indígena medir suas forças internas.

Esses protestos podem afetar a estabilidade do país?

Vamos ver se o governo vai dar sinais de diálogo, de abertura. Se não der, sim, pode surgir um cenário muito mais conflitante. É um governo débil em termos de poder institucional, ainda que tenha muito apoio de grupos econômicos, da mídia, dos Estados Unidos, mas não tem o poder legislativo, a credibilidade entre os cidadãos, e a relação com os movimentos sociais é muito frágil. Então pode sim haver uma onda maior de mobilização social, ainda que a crise econômica e de segurança possa desestimular a participação civil. Sobretudo o correísmo está lidando com muita cautela com a ideia de tomar as ruas, por temor de ser perseguido pelo Estado. Há um setor da população que pensa duas vezes antes de tomar as ruas. Mas há setores, sobretudo o indígena e o sindical, que estão radicalizados e que sabem que a margem de manobra de Lasso para aprovar suas leis é muito pequena. Mas depende muito. Se não tomar força, é um ponto a favor do governo, que poderá retomar um pouco o controle das coisas. De qualquer forma, esses protestos parecem ser a chave para um realinhamento de forças políticas no Equador.