Reforma Psiquiátrica: um novo modelo de atendimento

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Nos últimos 20 anos, a Saúde no Brasil mudou muito. Novas pesquisas e tratamentos avançados trouxeram mais qualidade de vida e a possibilidade de cura para várias doenças. No campo da saúde mental, os avanços também foram expressivos com um novo modelo de tratamento dos transtornos mentais, com cuidado humanizado e em liberdade.

Isso é o resultado da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), ou Lei Paulo Delgado em homenagem ao autor da norma, que foi o marco para acabar com os manicômios. Ela é resultado de 11 anos de mobilização de entidades antimanicomiais e garantiu às pessoas o direito ao tratamento em serviços comunitários, buscando a reinserção social.

Um dos pontos importantes da Lei foi a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). Esses Centros adotam os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) de atendimento universal, igualitário e integral, e tratam pessoas com transtornos como esquizofrenia, depressão e ansiedade bem como dependentes químicos.

Em 2021, a lei completou 20 anos. Para o médico psiquiatra e especialista em terapias cognitivas, Ronan D’Ávila, a Reforma Psiquiátrica propôs com mérito a mudança de um modelo obsoleto de assistência em saúde mental centralizado nos hospitais para um modelo comunitário. Ele pontua que o adoecimento mental é muito comum e que um em cada três pessoas terá algum transtorno ao longo da vida.

“No entanto, por muito tempo os pacientes, ao procurarem atendimento recebiam tratamentos em hospitais e não em ambulatórios como de fato a esmagadora maioria das pessoas necessita. Ainda, os antigos hospitais (“manicômios”), eram na verdade depósitos de pessoas; locais sem condições adequadas de higiene, de alimentação, de tratamento e carentes de humanismo e de dignidade. Muitos pacientes eram abandonados pela família e o hospital sem necessidade para tanto, transformava-se em moradia (sistema asilar). A reforma, de maneira correta, propôs que tais pacientes voltassem a viver na comunidade”, comenta o psiquiatra.

Além de propor um novo modelo de assistência em saúde, recomendando também que os pacientes tivessem seus direitos respeitados, Ronan D’Ávila enfatiza que a Lei da Reforma Psiquiátrica também lançou mais luz sobre um sistema problemático. “Vale lembra que, em 1971 a Associação Brasileira de Psiquiatria já havia emitido documento de proposta para a mudança do modelo e para a humanização do atendimento, muito antes dos legisladores cogitarem pensar sobre o assunto”, cita o médico.

GARANTIA DOS DIREITOS – Após 20 anos, os direitos dos pacientes que necessitam de atendimento em saúde mental estão garantidos com a essa Reforma? Para o psiquiatra Ronan D’Ávila o caminho ainda é longo. Na prática, ele cita que foi substituída a assistência ruim pela desassistência. O profissional esclarece que o paciente deve receber atendimento humanizado, moderno, eficiente e restaurador da qualidade de vida.

“A garantia de direitos passa obrigatoriamente pela oferta de atendimento com psiquiatras, é uma imposição ética. Muitos CAP’s não possuem psiquiatria e isso é problemático. A oferta de atendimentos ambulatoriais é restrita, há uma demora em conseguir consultas e vagas para internamento para casos como dependência química, doença bipolar e esquizofrenia. Na prática, a Reforma, da maneira como foi realizada, puniu os mais humildes que dependem do sistema público”, lamenta o profissional.

AVANÇOS – E esse modelo ainda divide opiniões entre os profissionais de Saúde e as autoridades. Ronan explica que a Reforma substituiu ‘as pressas’ os hospitais pelos CAPs, no entanto, adequado apenas para um determinado perfil de pacientes e insuficientes para atender a demanda por atendimento.

“Ou seja, as pessoas continuaram institucionalizadas, mas mudou-se o nome destas. O movimento reformista possuía pautas genuínas e humanas e tristemente se radicalizou, ‘demonizando’ todo e qualquer internamento como sinônimo de aprisionamento. Os antigos e desumanos hospitais deveriam ser fechados, é fato, mas vagas novas e de qualidade foram totalmente proibidas e não houve aumento da oferta de serviços ambulatoriais, essenciais para mais de 90% dos casos”, destaca.

Contudo, a Reforma Psiquiátrica trouxe avanços com o fechamento dos hospitais e a reinserção na comunidade daquelas pessoas que moravam nas instituições. “Mas, o caminho para quem possui uma doença psiquiátrica mais severa, ou que precise de internamento, é muito penoso e sofrido. O atendimento precisa ainda ser humanizado e há um longo caminho até lá. Nosso alvo deverá ser, cada vez mais, respeitar as individualidades e necessidades do paciente e família, oferecendo a todos os mais recentes recursos. Todos temos o direito a uma vida plena”, conclui.

Da Redação

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