Testamento: quando se preocupar com a morte?

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Para alguns ela não traz muitas preocupações; já para outros é motivo de medo e apreensão. A morte é inevitável e fazer o testamento é uma alternativa para preservar a vontade do testador. É possível expor os desejos pessoais, a transmissão patrimonial – evitando assim desavenças entre herdeiros – reconhecer um filho e também assegurar garantias ao cônjuge ou companheiro.

A pandemia ‘mexeu’ com os sentimentos que podem envolver a morte. O medo de como será o futuro dos filhos, a incerteza de quem irá administrar os bens, a preocupação em relação aos próprios cuidados nos casos de enfermidades graves, entre outros pontos que podem ser evidenciados nos testamentos.

“O instituto do testamento se caracteriza como uma manifestação de vontade daquele que, expressamente, deseja destinar seus bens a um fim específico após o momento de sua morte, devendo-se, para todo caso, respeitar os limites e regras presentes na legislação brasileira”, explica o advogado atuante na área cível do escritório Fonsatti Advogados Associados, Matheus Fernando da Silva.

Na legislação brasileira é possível observar seis tipos lícitos de testamento: os chamados testamentos ‘comuns’ (público, cerrado e particular) e ‘especiais’ (marítimo, aeronáutico e militar), cada um com particularidades e regras próprias. Além dessas, existem outras espécies de testamento onde, ainda que não encontrem previsão expressa em lei, são tomados por consideração pela literatura especializada e pelo poder judiciário, como o chamado ‘testamento vital’.

Conforme o advogado, o tipo de testamento mais realizado no país é na modalidade pública. “A primeira justificativa para essa escolha recosta-se em ser a modalidade mais conhecida pela população em geral. É igualmente difundida como a mais segura, pois será lavrado e depositado em cartório, perante o tabelião de notas ou seu substituto legal, investido de fé pública, na presença de duas testemunhas, sendo esta a via adequada, inclusive, para propiciar àquele não alfabetizado ou portador de deficiência visual, a oportunidade de manifestar sua vontade de disposição de bens após a morte. Para os portadores de deficiência auditiva, a lei possibilita, também, a celebração de testamento cerrado, sendo este último igualmente uma modalidade testamentária recebida pelo tabelião de notas, cujo seu conteúdo permanecerá sigiloso até o momento da morte do testador”.

Silva esclarece que nessa modalidade, quando do momento da morte, o procedimento para se que possa produzir os efeitos patrimoniais manifestados pelo falecido, por meio do testamento público, acaba sendo mais prático e rápido. “Inclusive, é interessante mencionar que, observando o atual contexto pandêmico, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o provimento n° 100, que possibilitou, entre outras práticas, a celebração do testamento público por plataforma online”.

FAZER O TESTAMENTO – A lei dispõe que, aquele com 16 anos, ou mais, está apto a testar parte de seus bens. Segundo o advogado, nesse ponto, é importante observar que a lei veda, igualmente, essa possibilidade de fazer testamento àqueles que apresentem, comprovadamente ao momento da celebração de testamento, alguma causa permanente ou transitória capaz de afetar no seu livre convencimento cognitivo de disposição de última vontade.

“Penso que, qualquer pessoa que tenha em seu íntimo o desejo de destinar aquilo que em vida foi seu por direito, a alguém, a um grupo ou a uma causa específica, desde que atendidos os requisitos previstos em lei, deve ser encorajada a buscar orientações com profissional habilitado de sua confiança, a fim de trazer para a realidade a sua vontade após a morte, pois, o testamento é um instituto previsto em lei que trata, antes de tudo, do respeito aos desejos daquele que se foi, sendo aconselhável, portanto, independentemente das circunstâncias em que a pessoa, quando em vida, se encontre”, avalia.

TESTAMENTO VITAL – O testamento vital, de acordo com o advogado, pode ser entendido igualmente como um ato de disposição unilateral de vontade, onde, ao invés de expressar seu desejo de destinação patrimonial após o momento da morte, a pessoa dispõe sobre como deseja ser tratada e cuidada quando, eventualmente, se encontrar em situação de grave enfermidade e necessitar de atendimento, cuidado e atenção especial, tanto por parte dos profissionais de saúde quanto por seus entes queridos e familiares. “É uma antecipação do que a pessoa deseja que seja feito a si quando ela, por força própria, não estiver mais em plena capacidade de manifestar essa vontade, ainda que em vida esteja”.

O testamento vital pode ser bastante abrangente, incluindo-se desde a manifestação quanto ao local em que deseja repousar quando do acometimento da enfermidade, cuidados pessoais e acompanhamento, até procedimentos de atuação própria de profissionais da saúde. O Brasil, ainda não possui disposição legal que regulamente o testamento vital. Entretanto, existe a resolução emanada do Conselho Federal de Medicina (CFM) dispondo sobre a possibilidade do paciente solicitar o registro do testamento vital junto ao seu prontuário. A mesma resolução dispõe que o médico deverá desconsiderar tais manifestações de vontade do testamento vital quando, ao caso, verificar estar ela em contrariedade com ‘os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica’.

“É importante ressaltar que, para além das diretrizes de ética médica, o desejo do paciente deve ser limitado aos fins que a legislação brasileira eventualmente disponham como lícitos. Tenha-se, a título de exemplo, a vedação à prática da eutanásia, assunto polêmico altamente debatido no momento. De mesmo modo, tenhamos para nós que, o testamento vital tem por uma de suas finalidades, atribuir dignidade e respeito à autonomia de vontade daquele que o dispôs, o que encontra total harmonia com nossa Constituição Federal. Por isso, haveria contrassenso em se efetivar as últimas vontades de um paciente que, objetivamente, o levariam a uma posição degradante e contrária a sua própria dignidade na condição de pessoa humana”, aponta.

REFLEXOS DA PANDEMIA – O advogado pontua que o atual cenário pandêmico tem causado um vertiginoso aumento na procura por testamentos. “Conforme informação extraída da Associação dos Notários e Registradores do estado do Paraná, registros de testamento aumentaram aproximadamente 70% em março de 2020. A pandemia abriu novas portas de reflexão sobre nossa efemeridade nesta terra, enquanto seres humanos de carne e osso, onde a vida corre como um sopro e, o testamento vital, antes encarado por muitos com certo receio, por ser um ato justamente de antecipação sobre eventual situação que ninguém deseja passar, agora, é visto como uma medida real e efetiva na melhor proteção de concretização das últimas vontades”, esclarece.

POR QUE FAZER O TESTAMENTO? – “Para a pessoa que atenda aos requisitos mínimos previstos em lei, estando na vontade de destinar especificamente parte de seus bens, creio não haver severas desvantagens passíveis de se mencionar. Já no que toca às vantagens, arrisco dizer ser uma, o fato de que, o testador fará fazer valer, de fato, a sua vontade de herança ou legado após o momento de sua morte. Caso não o faça, a legislação brasileira é quem irá atribuir o destino final da totalidade do patrimônio do falecido. Esse tema é de extrema riqueza em detalhes importantes a se conhecer. Ainda que não seja necessário o acompanhamento de advogado para se fazer um testamento, é recomendável àquele que deseja testar seus bens e que eventualmente tenha dúvidas sobre como proceder, que procure um profissional habilitado de sua confiança a fim de auxiliá-lo”, finaliza o advogado.

Da Redação

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