Iniciativas pró-mulheres são boas, mas não é o momento para uma reforma eleitoral

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Em meio ao pior momento da pandemia e ainda no início de uma CPI no Senado de enorme interesse público, a Câmara dos Deputados considera instalar uma comissão especial para debater mudanças no sistema eleitoral. O objetivo propalado pelo presidente da casa, deputado Arthur Lira (PP), é realizar uma nova reforma política e aprova-la até outubro. A proposta é inoportuna por pelo menos três razões.

A primeira tem a ver com o contexto socioeconômico. A pandemia exige esforço concentrado no seu combate e o Legislativo tem papel crucial, especialmente dado o vácuo evidente no Executivo federal. A vacinação está lamentavelmente atrasada. É urgente, portanto, ampliar e estender a duração do auxílio emergencial. Não é tolerável viver sem vacina e sem auxílio ao mesmo tempo.

A segunda razão é um desdobramento da primeira. Mudanças em regras eleitorais não podem ser feitas a toque de caixa: já estamos em estágio pré-eleitoral e, portanto, mudar as regras do jogo durante a partida é inconveniente. Ademais, um debate dessa magnitude não pode ser feito apenas por aqueles que já estão no Congresso. Há uma CPI da pandemia em curso e o próprio Lira fala em agilizar reformas tributária e administrativa. Dentro de alguns dias, o Congresso também deve avaliar o nome do substituto de Marco Aurélio Mello no STF. A agenda está cheia. Uma reforma política, nessas circunstâncias, tende mais a gerar instrumentos para facilitar a reeleição de quem já possui mandatos do que democratizar o sistema.

A terceira razão decorre do fato de já ter sido realizada uma grande reforma política em 2017 e cujos efeitos só começaram a ser sentidos em 2020 quando entrou em vigor o fim das coligações em eleições proporcionais. Isso produziu um efeito muito positivo na distribuição de mandatos para o Legislativo, ao deixar de premiar com cadeiras no parlamento partidos sem expressão eleitoral que se beneficiavam da votação obtida pela coligação. O fim das coligações é positivo justamente por fortalecer os partidos “sobreviventes”.

Por fim, é preciso mais tempo com as regras de 2017 para acompanhar a consolidação. Mudanças que seriam realmente bem-vindas agora são aquelas que aumentam a participação das mulheres. A argentina vem mostrando a importância da cota de gênero no Legislativo. Questões relacionadas as mulheres devem ser decididas com a presença de mais mulheres, e não por cerca de 85% de homens como ocorre no Brasil, mas o risco de uma proposta com esse caráter democratizante ser rejeitada no atual contexto é enorme. O retorno das coligações em eleições proporcionais e a volta do financiamento eleitoral por empresas, com um teto estipulado, estão na contramão dos efeitos positivos que última grande reforma vem provocando.

*Marco Antonio Carvalho Teixeira é professor da graduação e do programa de mestrado e doutorado em Administração Pública e Governo da FGV EAESP; João Villaverde, é mestre e doutorando em Administração Pública e Governo pela FGV EAESP.