Luto x Covid-19: como enfrentar a perda de um ente querido

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Vidas interrompidas. 346 mortes. 346 famílias que choram a perda de um ente querido em decorrência da Covid-19 e as complicações dessa doença. A dor, a saudade, o espaço vazio na mesa são vividos de maneiras diferentes por cada um que ficou.

Até a última segunda-feira (14), o boletim trazia a morte de 346 pacientes. Morte, óbito, falecimento, nenhum dos termos é fácil de pronunciar, de ler, muito menos de viver dentro do seio familiar. O luto também não é fácil explicar, não é fácil conviver, não é fácil superar.

O período de luto não precisa ser passado sozinho. O período de luto não precisa ficar guardado no peito a ponto de tirar o ar. O período de luto pode ser partilhado para que seja vivido de uma maneira menos dolorosa. A Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Curitiba, tem o Grupo de Acolhimento Online para Enlutados Covid-19. A iniciativa permite acolher quem precisa de ajuda para passar este momento.

A coordenadora do Projeto de Extensão ‘Luto: Vivências e Possibilidades’, Joanneliese de Lucas Freitas, relata que coordena esse projeto faz dez anos. Devido a impossibilidade de dar continuidade presencial durante a pandemia e a demanda crescente frente as mortes em decorrência da Covid-19 e as complicações dessa doença foram criados os grupos online.

“Neste momento específico os grupos são voltados apenas para enlutados por Covid-19, devido à crescente demanda, onde as pessoas não têm apoio social adequado devido às medidas de afastamento social, assim como há um desconhecimento sobre o luto por Covid-19. Assim, o projeto também se configura como uma ‘pesquisa-ação’, que além de oferecer o suporte, tem como objetivo conhecer melhor esse luto por meio da pesquisa”, esclarece a coordenadora.

Joanneliese pontua que o luto sempre é vivenciado como uma mudança na vida do enlutado, às vezes, mais importante, às vezes, menos, com muitas particularidades a depender de quem se perdeu e a maneira como a morte decorreu. Ela destaca que, no caso da Covid-19, é importante entender que essa morte se dá em meio a uma pandemia, podendo tornar mais difícil as experiências vividas no luto, por todas as restrições que a pandemia impõe.

“A pandemia não nos permite criar espaços onde possamos viver outras coisas que não o luto e nos dificulta o suporte social pelas medidas sanitárias de afastamento e isolamento. A Covid-19 é uma doença que com frequência progride rápido, o que causa impacto. Não ter a possibilidade de se despedir adequadamente sem os rituais de despedida e sem a presença do corpo, pode também trazer sofrimento para muitas pessoas. E, finalmente, no Brasil a situação política e de negacionismo também geram sofrimento, uma vez que muitos entendem que essas mortes poderiam ter sido evitadas com políticas públicas adequadas”.

O LUTO MUDA AS PESSOAS – A dor do luto, conforme a coordenadora, não se supera, se aprende a viver com ela, abrindo espaço para outros sentimentos no luto, tais como a saudade e até mesmo a alegria de ter partilhado a vida com alguém que fez parte da história.

“Não é possível voltar a sermos o que éramos antes da partida de alguém, pois agora vivemos em um novo mundo, onde a pessoa que perdemos, vai permanecer de um modo inteiramente novo em nossa história – pela sua ausência. A nossa sociedade tem muitas regras para o luto que não coincidem com a experiência do luto. A melhor forma de ajudar é entender que cada luto é um, e que não há receitas. É preciso estar atento àquilo que faz sentido para a pessoa enlutada e não impor a ela uma regra ou comportamento que faz sentido para si. Estar presente e não silenciar quem está de luto já é um bom começo”, reforça a profissional.

Joanneliese comenta que a pessoa enlutada deve procurar ajuda especializada se percebe que não tem em seu cotidiano, na família ou comunidade um espaço de acolhimento para expressão de seus sentimentos. Um grupo pode ajudá-la a expressar seus sentimentos sem ser julgada e também pode ajudá-la a perceber que o que ela sente faz parte do processo que está vivendo. “Um atendimento psicológico ou psiquiátrico individual só faz sentido se a pessoa percebe que não está conseguindo lidar com os desafios impostos pela vida na ausência da pessoa querida, ou que perceba que algum comprometimento anterior se intensificou no período de luto”.

O SOFRIMENTO DE CADA UM – O sofrimento faz parte do luto, assim como o sofrimento existencial faz parte da vida. A coordenadora salienta que um dos aspectos disso é aprender a lidar com o sofrimento, pois isso, permite perceber que a existência humana é marcada pelo sofrimento, assim como pelo prazer.

“Essas duas experiências nos fazem ser quem somos. Negar o sofrimento pode causar mais malefícios do que aprender a viver com ele, assim como aprender o que cada um tem de possibilidade para lidar com as diferentes situações desafiadoras da vida”, exemplifica ao salientar que o luto não é apenas sofrimento, especialmente, quando envolve as boas lembranças e os momentos compartilhados.

O luto envolve essa experiência total, essencialmente humana, com altos e baixos, alegrias e tristezas. “O luto é uma experiência que costumamos dizer que se apresenta em ‘ondas’, portanto, poderá nos revisitar ao longo de nossa existência a cada vez que lembramos ou acontece alguma coisa que nos faz lembrar do que vivemos ou poderíamos ter vivido com aquele que partiu. Contudo, as ondas que no início são violentas e contínuas, passam a acontecer mais espaçadamente e também têm a tendência de serem mais suaves, menos violentas”, finaliza.

O GRUPO

Desde outubro do ano passado, já foram oferecidos seis grupos. No momento, dois grupos já fechados e existe a pretensão de abrir mais dois em breve. São seis encontros virtuais, onde os participantes podem trocar suas experiências e falar livremente sobre suas dores e dificuldades no enfrentamento do luto neste momento, sem julgamentos. Para participar basta fazer inscrição: http://bit.ly/grupo-enlutados-covid19.

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Da Redação

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