“Minha tia está lutando para viver”

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O dia amanheceu diferente ontem (10). Nuvens cinzas no céu com indicativo de chuvas e temperaturas amenas. Nas redes sociais e na imprensa local e regional, notícias que a Saúde de Toledo está em colapso! Não havia mais possibilidade de receber novos pacientes graves no Pronto Atendimento Municipal (PAM/Mini-hospital), de acordo com o comunicado encaminhado às 23h54 de quarta-feira (9), pela Secretaria de Comunicação. Na região Macro Oeste 171 pessoas aguardavam por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Covid-19, sendo que somente na 20ª Regional de Saúde eram 40 pacientes na manhã de ontem.

Entre os pacientes que aguardavam por um leito de UTI está a tia Ruti, de 47 anos. Mãe, esposa, filha, irmã, mulher guerreira. Uma profissional que sempre adotou as medidas ao enfrentamento da Covid-19, porém ela contraiu a doença. Seu teste foi positivo em 25 de maio deste ano, um dia antes de ser imunizada. No dia 30 de maio, Ruti não se sentiu bem e familiares a levaram ao atendimento em Ouro Verde do Oeste, município em que reside. Ela estava com saturação baixa (64) e a equipe de Saúde a colocou no oxigênio. Neste dia, também foi transferida para atendimento no PAM para estabilizar o seu quadro clínico e o seu nome foi incluído na regulação por um leito de UTI Covid-19. No dia 2 de junho, o resultado de uma tomografia mostrou que o seu pulmão estava 80% comprometido.

TENTANDO ENTENDER – Os dias passaram e Ruti precisa, urgentemente, de uma UTI mas, principalmente, porque necessita fazer hemodiálise. A sobrinha Gisele Alves revela que sua tia está internada há uma semana e com o nível de ureia alto, chegando a 221 mg/dl. “Minha tia está sendo muito forte e os médicos estão fazendo o que podem, mas ela precisa de hemodiálise. Já fizemos de tudo, ligamos para médicos, enfermeiros, assistentes sociais, secretários da Saúde, prefeitos, governador. Fomos em vários lugares e falamos com várias pessoas, porém a resposta é sempre negativa. É muito frustrante todos os ‘nãos’ que recebemos”.

Gisele revela que só quem passou por isso ou sentiu na pele sabe como é horrível se sentir incapaz, não poder fazer nada para ajudar e ver a pessoa amada numa situação dessas. “Nós tentamos entender que a situação é caótica. Não existe vaga em lugar algum!”, afirma a sobrinha ao complementar que além de viver longe da Ruti também vive com a falta de notícia dela. “As informações são desencontradas. Nós ficamos dois dias sem notícias dela e decidimos no último sábado (5) vir para Toledo. É uma situação triste. A minha tia tem um laudo que seu grau está no máximo e não conseguimos o leito de UTI para ela”.

A família decidiu entrar com uma ação na Promotoria de Justiça. “Um dos motivos para entramos com a ação é porque precisamos da informação correta sobre a nossa tia e também precisamos do leito de UTI. A situação é triste na Saúde e no PAM. Vi um corredor com pacientes na maca e uma sala de assistência social que virou leito”, destaca Gisele ao enfatizar o conteúdo de uma declaração realizada por um profissional procurado pela família: “Diagnóstico de infecção pelo vírus Sars-Covid-19. Evoluiu com insuficiência respiratória, necessitando de entubação, ventilação mecânica, permanecendo sob sedação profunda. Quadro clínico se agrava muito em função da insuficiência renal aguda. Paciente está internada no PAM, com medidas de suporte a vida. Entretanto, a paciente necessita da hemodiálise com urgência, sendo realizada somente em UTI. Caso não realize a hemodiálise, evoluirá com parada cardiorespiratória, devido a hiperpotassemia. É de extrema urgência que seja transferida à uma UTI”.

AUTORIDADES – Conforme a secretária de Saúde Gabriela Almeida Kucharski Ravache, todos os esforços estão sendo realizados pela equipe para atender a população. “Nós melhoramos a estrutura do PAM, porém os leitos não são de UTI. Nós precisamos de respiradores e de monitores. O que fazemos no PAM é oferecer o melhor atendimento e dentro da possibilidade esse é o máximo que conseguimos fazer enquanto Secretaria”.

Sobre a hemodiálise, Gabriela explica que o serviço não exige apenas uma máquina, e sim, funcionário capacitado em fazer o trabalho e também de médicos. “Não temos enfermeiros ou técnicos de enfermagem com capacitação para realizar o manejo desta máquina”, lamenta.

O diretor da 20ª Regional de Saúde Toledo Alberi Locatelli explica que a regulação vai buscar no sistema a situação clínica de cada paciente e ele releva que a hemodiálise é um requisito observado pela equipe. “Não tem fila na regulação, e sim, a equipe avalia a condição do quadro clínico de cada pessoa”.

Os familiares também buscaram pelo auxílio do Ministério Público. Segundo o promotor de Justiça José Roberto Moreira, o órgão tem sido procurado por muitas famílias que buscam leitos de UTI-Covid-19. “Todos relatam uma demora no ingresso do doente nesses leitos, apesar da indicação médica”.

Moreira cita um trecho de uma decisão judicial, tomada no bojo dos autos 0005626-22.2021.8.16.0170, onde a autoridade judiciária assim se decidiu: “Muito embora a saúde seja um direito público subjetivo fundamental (…), é inegável que estamos passando, não só em nosso Estado, como em todo o Brasil e no Mundo, por uma crise sanitária gravíssima, que há muito não se vê. (…) é fato público e notório que todas as UTIS do Estado estão praticamente lotadas. Portanto, assim como é o caso da parte autora, várias são as pessoas que estão na mesma situação, aguardando internamento. É também de fato notório que o Paraná criou uma rede hospitalar exclusiva para atendimento de pacientes com Covid-19, com unidades públicas, privadas e filantrópicas. O número de leitos de UTI abertos no período da pandemia é superior ao número de leitos criados nos últimos 20 anos no Estado. Assim, beneficiar a parte autora com uma decisão judicial acabaria prejudicando o direito de uma pessoa na mesma situação e que, da mesma forma, necessita de UTI. Realmente, o que se tem hoje é uma crise sanitária sem precedentes, decorrente da disseminação do novo coronavírus – SARS-CoV-2, o qual vem causando um colapso em toda a rede de saúde nacional. Justamente em razão desse estado delicado – grave – pelo qual todos estamos passando e ao qual todos estamos sujeitos, existem critérios técnicos que são analisados pelos médicos do Complexo Regulador para que, dentro da expertise que possuem, ordenarem a fila de pacientes de acordo com o grau de prioridade e gravidade de cada paciente (…). Desse modo, em que pese a situação urgente relatada na inicial, não é possível que seja deferida a liminar ao autor, pois se trata de intromissão jurisdicional que tem alto potencial de causar prejuízo para outras pessoas que estão na mesma situação, porém que não ingressaram com a demanda pela via judicial. O Poder Judiciário não pode, na visão deste Magistrado, alterar os critérios estabelecidos pela Administração Pública para preenchimento de vaga em UTI no atual cenário. Incumbe à Administração Pública fazer os gerenciamentos dos leitos de UTI destinados ao enfrentamento da COVID-19, de acordo com a urgência necessária para cada caso (sic)”.

Ele complementa que “esse tem sido o entendimento do Ministério Público na Comarca de Toledo. Pensa-se no sentido de que não é viável a intromissão do Promotor de Justiça nas listas de espera de leitos de UTI-Covid-19, uma vez que o número dos que aguardam essa espécie de leitos é superior à disponibilidade”, afirma ao complementar que quando abre uma vaga quem deve decidir quem a ocupará é a regulação de leitos, não o Promotor de Justiça ou o Juiz de Direito. “Essas autoridades jurídicas não tem condições de avaliar quem mais necessita da vaga e está em prioridade em relação aos demais, mas a central de regulação sim. E atuar para privilegiar um paciente que procurou essas autoridades jurídicas significa, por vezes, atuar para um “furo na fila”, em prejuízo de outra pessoa em situação mais crítica. Por conta disso, lamentando toda essa situação, o Ministério Público, de um modo geral, não apenas em Toledo, mas também em outras comarcas, tem evitado judicializar pedidos de leitos por UTI-Covid-19. Esse quadro só ilustra o cenário de colapso do sistema de saúde e essa foi a orientação repassada para os familiares da paciente Ruti”.

ESFORÇOS – De acordo com Gisele, a tia Ruti é a sua segunda mãe. “Ela não mede esforços para ajudar. Sempre prestativa e alegre. Ela é a alegria da família. É uma situação sem explicação. É difícil olhar para a vó e para o vô e não ter nada para falar para eles. Não tem UTI no particular nem no público. Com uma ureia maior que 200 md/dl quando o normal é por volta de 40 mg/dl, certamente, minha tia está lutando pela sua vida. Uma pessoa que se cuidou, que não fez festa, que não ia visitar os seus pais. Muitas histórias mal contadas ou sem fundamentos. A única verdade é que minha tia está lutando para viver”, finaliza Gisele. No momento do fechamento desta edição, por volta das 20 horas de ontem, a sobrinha manteve contato e disse que o leito de UTI foi conseguido para a sua tia.

Da Redação

TOLEDO