Tropicália Discos relança alguns dos primeiros álbuns independentes do Brasil
A história de Winston é um filme que pode começar com a seguinte cena: com a morte de um irmão colecionador de LPs, ele recebe em sua casa os rapazes da loja Tropicália Discos, interessados em comprar o acervo que havia ficado nas estantes. Um dos compradores, surpreso com o nome Winston, conta a ele que tem à venda na loja um disco da curiosa banda brasileira do final dos anos 60, I.W.Company com o nome de um tal Winston na contracapa. O compacto trazia músicas muito bem tocadas e cantadas em inglês e baladas claramente influenciadas pelo folk do Crosby, Stills & Nash. Um rock feito por uma rara banda brasileira da qual ninguém tinha notícias. “Sou eu!”, disse Winston. “Essa banda era minha!”
Mais do que revelarem a curiosa história de um grupo obscuro do final dos anos 60, os vestígios da I.W.Company têm pontuação histórica na localização das primeiras investidas independentes no Brasil. Até hoje, os discos considerados os primeiros a terem toda a sua cadeia produtiva bancada pelos próprios artistas são Satwa, de 1973, gravado por Lula Côrtes e Laílson nos estúdios da gravadora pernambucana Rozemblit; os álbum Tim Maia Racional Volumes I e II, lançados respectivamente em 1974 e 1975; e, talvez, o mais profissional de todos, Feito em Casa, que o pianista Antônio Adolfo registrou com uma banda de gigantes, incluindo os baixistas Jamil Joanes e Luizão Maia, o baterista Rubinho e o trompetista Marcio Montarroyos, de 1977.
Além de virem antes de todos esses, com seus primeiros registros datados de 1969, os compactos gravados pela I.W.Company têm uma história singular que começa com o idioma inglês aprendido em casa e de forma fluente pelo jovem Winston graças, mais uma vez, à avó, uma senhora ligada a um grupo que representava interesses norte-americanos no País nos anos 60. Antes dos 18, então, Winston foi dar aulas para alunos particulares e trabalhar como intérprete para estrangeiros. “Era um dinheiro fácil”, ele conta. As aulas cresceram e Winston decidiu abrir o curso de inglês I.W., o Instituto Winston. Das aulas para o rock, foi um pulo.
Winston começou a compor músicas com o amigo de infância que considera ainda hoje um irmão, Ruy Buarque. Juntos, faziam todas as músicas com um pensamento vocal e uma estrutura harmônica tão originais e bem acabadas que Winston, talvez em busca de um motivo para criar sua banda, resolveu gravar todas em uma série de compactos para dar a seus alunos de inglês. “Era uma forma de mostrar a eles os erros gramaticais permitidos nas canções”, diz o ex-professor. Ou seja, uma espécie de ensino ao contrário.
O fato é que a música que Winston e Ruy faziam era tão boa que já não importava mais o motivo de sua existência. Assim, quando percebeu que tinha um bom número de canções, o mesmo Winston empreendedor que abriu um curso de inglês decidiu bancar tudo para realizar seu sonho.
Com o dinheiro das aulas, Winston contratou os músicos que fariam as bases das canções, alugou um ótimo estúdio para as condições da época, o Philotson, na Cinelândia, e pagou os cursos do deslocamento seu e dos músicos de Niterói ao Rio – detalhe – numa época em que não havia ainda a ponte Rio-Niterói, em construção para ser inaugurada em 1974. “A gente fretava uma Kombi para levar os instrumentos menores, como baixo e guitarra, e pegávamos a barca que fazia a travessia de carros”, conta Winston.
As gravações de rocks que seriam memoráveis em qualquer grande banda da época, como He Never Found, Poor Bad Loose, Let the Sun Shine In e She’s a Lady, eram feitas em pequenos discos, os compactos da época, e demandavam de mais verba. “Ruy não tinha dinheiro, então eu bancava tudo”, diz o compositor. O músico Lizt Ayala, que aparece em algumas faixas como baixista e em outras como guitarrista do grupo, lembra em um pequeno documentário feito sobre o grupo pela loja Tropicália Discos, que, mesmo em um bom estúdio de gravação como o Philotson, havia ainda estranhamento com relação às novidades sonoras. “Quando liguei um pedal de distorção que só poucas bandas, como os Mutantes, usavam, o camarada (da técnica) parou e mandou cortar a gravação porque, para ele, havia algum problema com algum equipamento, mas era só uma distorção.”
Depois de gravar cinco discos com duas músicas cada e capas diferentes para presentear seus alunos, Winston, Ruy, Lizt e os músicos contratados para as gravações da banda batizada I.W.Company tocaram suas vidas. Ruy virou arquiteto, Winston se tornou economista, os discos desapareceram e a história desbotou. Suas vidas seguiram até que, quase 40 anos depois, o especialista Bruno Alonso, sócio da Tropicália Discos, caminhava pela Rua Gomes Freire, na Lapa do Rio, e, antes de chegar à Riachuelo, viu um senhor vendendo discos usados na calçada. Avistou um estranho compacto de uma tal I.W.Company e o levou para a loja. Ao ouvi-lo, soube que tinha ouro nas mãos. Agora, a mesma Tropicália vai lançar em um único CD todas as dez músicas da banda gravadas entre 1969 e 1970 e mais duas inéditas feitas à época e duas acústicas, gravadas em 2016, dentro da loja Tropicália Discos. “Eu sonho em ter pelo menos um compacto deles mas, com sua matéria, isso vai se tornar ainda muito mais difícil. Seria melhor não escrever sobre isso”, diz rindo o pesquisador de Niterói, Nelio Rodrigues. Outro pesquisador e colecionador de LPs, Cristiano Grimaldi, diz o seguinte: “Eu sei o quanto esses caras lutaram para esse lançamento. E fizeram isso por puro amor.”
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