Festival Mix Brasil traz curta sobre racismo e homofobia

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A morte do boxeador afro-caribenho Emile Griffith, em 2013, acendeu uma luz para o dramaturgo paulistano Sérgio Roveri. Distante do universo do boxe, ele jamais havia ouvido falar do atleta, tampouco sabia sobre suas conquistas esportivas e sociais ao longo das décadas que defendeu seu título como campeão mundial de boxe.

“A notícia de que havia morrido o primeiro atleta campeão mundial a assumir a bissexualidade chamou imediatamente a minha intenção”, conta Roveri. “Naquele dia, passei horas pesquisando sobre ele e tive noção de sua importância quando vi que jornais americanos e ingleses dedicaram páginas inteiras para seu falecimento.”

A imersão levou o autor, vencedor do prêmio Shell, ao texto de 12º Round. A peça enfoca uma passagem específica da vida de Griffith: o momento em que subiu ao ringue para disputar o título de campeão mundial contra o também afro-caribenho Benny “Kid” Paret, em 1962.

Respondendo aos ataques homofóbicos do adversário, Griffith o levou a nocaute, causando sua morte. Uma passagem que atormentou o boxeador por toda a vida.

“Escrevi a peça na esperança de que outras pessoas pudessem se encantar pela figura dele como eu me encantei”, conta. E deu certo. Em 2017, a Cia. Os Crespos, formada por Lucélia Sérgio e Sidney Santiago Kuanza, teve acesso ao texto de Roveri e decidiu que era a hora de levá-lo ao palco.

“O Sérgio abordou os personagens de uma forma muito interessante, partindo de um drama real de pessoas negras. Quando pegamos o texto, nos interessava contar essa história que relaciona negritude e afetividade, uma pesquisa desenvolvida há muitos anos dentro da companhia”, explica Lucélia. “Encontramos nessa história incrível de dois homens negros temas interesses para serem aprofundados. O Sérgio deu vida a um drama negro, e fez isso com muita sensibilidade.”

A produção teve início em 2019 e o espetáculo chegaria aos palcos em 2020, mas a pandemia mudou os planos originais, causando não só a paralisação das iniciativas da companhia, mas também uma baixa importante. O ator João Acaiabe, que estaria no elenco, não resistiu às complicações da covid-19 e morreu em abril, aos 76 anos.

A companhia optou, então, por adaptar o espetáculo para um curta-metragem. Assim nasceu Dois Garotos que se Afastaram Demais do Sol, que teve sua estreia no início de outubro, dentro da programação da 3ª Mostra de Cinema Negro Faz Lá o Café. Nesta semana, contará com apresentações gratuitas nas redes do Teatro Cacilda Becker. As exibições ocorrem de 12 a 14 de novembro, às 19 horas.

“Esse trabalho tem a ver com um desejo de investigação, justificado pela impossibilidade de estar nos palcos. Foram poucas as experiências esteticamente felizes de teatro filmado. Preferi partir para o audiovisual, aproveitando recursos mais potentes”, diz Lucélia, que assina roteiro e direção ao lado de Cibele Appes. “Nós crescemos influenciados pelo audiovisual, todo mundo tem um sonho de filme ou videoclipe para gravar. Essa influência é muito forte. Eu amo teatro, mas tinha a possibilidade de fazer cinema. É uma ousadia para uma negra favelada, do mangue da Baixada Santista.”

O elenco é formado por Rodrigo de Odé, Teka Romualdo, Mônica Augusto, Eduardo Silva e Sidney Santiago Kuanza, que encontrou na obra a continuidade para suas pesquisas sobre a negritude e o boxe, além de uma nova linguagem a ser explorada pelo grupo. “Nestes 16 anos, investimos em uma inscrição dramatúrgica contemporânea pautada na experiência da população negra no ambiente urbano. Uma dramaturgia autoral, inédita e, em alguns momentos, ancorada em livros clássicos”, afirma o pesquisador.

“Com esse texto, nos debruçamos sobre um personagem negro complexo e icônico do atletismo. Personagem este que trazia temas urgentes: masculinidades negras, debate sobre sexualidade, direitos humanos e imigração. Isto nos comoveu e mobilizou, além de trazer o drama enquanto gênero, que era um desafio que queríamos, visto que nossas criações partem do recorte épico.”