Biodiversidade e as soluções para a “insegurança” hídrica no Brasil

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O Brasil é um dos países com maior disponibilidade de água doce do mundo, com aproximadamente 12% do total do planeta. Possui duas das maiores áreas úmidas do mundo: o Pantanal e a Bacia Amazônica. Seus reservatórios de água subterrânea detêm uma capacidade de 15 milhões de litros por segundo. A vazão média anual dos rios brasileiros é de aproximadamente 180 milhões de litros por segundo.

Todos esses dados, reunidos no relatório Biodiversidade, Serviços Ecossistêmicos e Bem Estar Humano no Brasil, disponível na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), dão a dimensão do tamanho da responsabilidade que um país com alta disponibilidade de água, associada à elevada biodiversidade, carrega em relação à segurança hídrica.

No entanto, o que temos acompanhado historicamente é uma severa dificuldade na implementação de políticas públicas para a gestão da água e sua integração sustentável com as dinâmicas e necessidades dos centros urbanos.

A rápida expansão das metrópoles e a falta de planejamento fizeram com que os gestores públicos se apoiassem quase que exclusivamente em infraestrutura cinza (canalização e obras em geral) para garantir o abastecimento de água para a população. Embora seja indispensável para dar escala à oferta de serviços básicos, é essencial que a infraestrutura cinza seja aplicada conjuntamente com a infraestrutura verde – as chamadas Soluções baseadas na Natureza – para proteger as bacias hidrográficas e permitir o uso sustentável dos recursos.

Como resposta a esses desafios de gestão territorial, avançam no País e no mundo iniciativas que têm a natureza como base . No Peru, a legislação exige que as empresas fornecedoras de água destinem parte da receita para o investimento em infraestrutura natural, como o reflorestamento de áreas e a aplicação de agricultura sustentável próximo a rios e mananciais. Na China – um dos países mais avançados na conciliação entre infraestruturas cinza e verde –, mais de 250 municípios aplicam o modelo de cidades-esponjas com o objetivo de drenar a água da chuva. Estimulam ainda a criação de parques alagáveis (exemplos como este existem em Curitiba há décadas), prédios com jardins suspensos, calçadas permeáveis e praças-piscinas.

O caso emblemático de Nova York não pode ser ignorado. Lá, de forma inteligente, em vez de aumentar a infraestrutura cinza do sistema de abastecimento, uma parceria público-privada optou por investir na conservação de bacias hidrográficas que garantem a água para a população. Hoje, a medida colhe excelentes resultados, chegando próximo a uma relação de US$ 7 economizados para cada US$ 1 investido em ações de conservação.

Encontrar soluções a partir da natureza para a Baía de Guanabara foi o objetivo do Oásis Lab, realizado pela Fundação Grupo Boticário, Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) em 2019. A iniciativa reuniu representantes de mais de 50 instituições, empresas, indústrias, OSCs e órgãos públicos para desenvolver ideias e soluções que garantam a segurança hídrica e a resiliência costeiro-marinha na região.

O diálogo com tantos atores tem sido essencial para trazer resultados práticos e de impacto positivo para a população fluminense. Dois dos projetos cocriados na ocasião receberão investimentos por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em fevereiro entre o Ministério Público do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e a Petrobras.

Outro exemplo que também está sendo colocado em prática é o movimento Viva Água, realizado na Bacia do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais (PR), que tem entre seus objetivos contribuir com a segurança hídrica a partir da restauração da vegetação em áreas estratégicas de bacias hidrográficas e do incentivo a atividades socioeconômicas de impacto positivo na natureza.

Por muitos anos, acreditamos ser possível domar a natureza em nome do desenvolvimento. É chegada a hora de seguirmos um novo rumo, disseminando a ideia e apresentando resultados de que é, sim, possível uma bacia hidrográfica incorporar atividades econômicas compatíveis com sua conservação. Assim, seguimos trabalhando para comprovar com exemplos e números que a adoção de medidas de conservação não representa entrave ao desenvolvimento econômico, mas sim condição essencial para sua efetividade.

* Renato Atanazio é coordenador de Soluções baseadas na Natureza da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza

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