STF redefine Marco Regulatório das redes sociais

O Supremo Tribunal Federal proferiu decisão histórica na quinta-feira (26), declarando a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), em julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nº 1.037.396 e 1.057.258. A decisão, tomada por maioria qualificada de oito votos contra três, representa marco jurisprudencial na regulamentação da responsabilidade civil das plataformas digitais no ordenamento jurídico brasileiro.

O julgamento foi conduzido sob a relatoria conjunta dos Ministros Dias Toffoli (RE 1.037.396) e Luiz Fux (RE 1.057.258), com a participação integral do colegiado. O quórum qualificado de oito ministros favoráveis à tese vencedora conferiu robustez institucional à decisão, superando o mínimo constitucional de seis votos necessários para declaração de inconstitucionalidade em controle difuso com efeitos erga omnes.

Os votos divergentes foram proferidos pelos Ministros André Mendonça, Edson Fachin e Nunes Marques, que defenderam a manutenção integral do regime estabelecido pelo artigo 19. A divergência centrou-se fundamentalmente na interpretação do princípio da proporcionalidade e na delimitação das fronteiras entre liberdade de expressão e proteção de direitos fundamentais.

A Corte fundamentou sua decisão na aplicação do teste de proporcionalidade, reconhecendo que o regime anterior do artigo 19 criava proteção desproporcional às plataformas digitais em detrimento dos direitos fundamentais dos usuários. O acórdão estabeleceu distinção dogmática entre responsabilidade subjetiva e objetiva, aplicando critérios diferenciados conforme a natureza do conteúdo e o tipo de plataforma.
Para crimes graves contra bens jurídicos fundamentais – incluindo atos antidemocráticos, terrorismo, incitação ao suicídio, discriminação racial e de gênero, crimes contra mulheres, exploração sexual infantil e tráfico de pessoas – a Corte estabeleceu regime de responsabilidade objetiva com dever de remoção imediata, independentemente de ordem judicial prévia.

A decisão criou sistema escalonado de responsabilização. Para conteúdos impulsionados artificialmente ou anúncios pagos, estabeleceu-se presunção absoluta de conhecimento da plataforma, gerando responsabilidade automática. Em contrapartida, para crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), manteve-se o regime do artigo 19, exigindo ordem judicial específica.
O acórdão preservou a aplicabilidade integral do artigo 19 para provedores de email, aplicativos de mensagens instantâneas e plataformas de videoconferência, reconhecendo a natureza privada desses serviços e a menor capacidade de monitoramento ativo.

A decisão estabeleceu prazo de 18 meses para que os Poderes Executivo e Legislativo elaborem política pública específica para enfrentamento da violência digital. Foi sugerida a criação do Departamento de Acompanhamento da Internet no Brasil (DAI), vinculado ao Conselho Nacional de Justiça, para monitoramento do cumprimento das diretrizes estabelecidas.

As plataformas deverão implementar canais eletrônicos acessíveis para recebimento de notificações, manter representação legal no Brasil e elaborar relatórios periódicos de transparência sobre moderação de conteúdo.

Não obstante os avanços na proteção de direitos fundamentais no ambiente digital, a decisão suscita reflexões sobre os limites da intervenção estatal na esfera comunicativa. A ampliação da responsabilidade das plataformas, embora justificada pela proteção de bens jurídicos relevantes, pode gerar efeitos colaterais na livre manifestação do pensamento, especialmente considerando a tendência das empresas de adotarem políticas de moderação mais restritivas para evitar responsabilização.

O risco de “over-removal” – remoção excessiva de conteúdos limítrofes – representa desafio hermenêutico significativo, uma vez que algoritmos de moderação automatizada podem não distinguir adequadamente entre discurso protegido constitucionalmente e manifestações efetivamente ilícitas. A ausência de critérios técnicos específicos para implementação das diretrizes estabelecidas pelo STF pode resultar em aplicação desproporcional das medidas, comprometendo o pluralismo democrático e o livre debate de ideias.

Assim, embora a decisão represente evolução necessária na proteção de direitos fundamentais, sua implementação demandará constante vigilância para preservar o equilíbrio constitucional entre segurança jurídica e liberdade de expressão no ecossistema digital brasileiro.

Ruy Fonsatti Junior
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR e Diretor Jurídico da FACIAP

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