Pode o presidente Bolsonaro perdoar o deputado condenado pelo STF?

Pode, pois que a concessão de graça é ato privativo do Presidente da República, garantido legal e constitucionalmente. Só que existem três problemas, um de menor gravidade e dois muito graves. O primeiro é que a decisão do Supremo Tribunal Federal ainda não é definitiva, do que decorre que a graça, também conhecida como perdão presidencial, ainda não poderia ser concedida; deveria ter sido aguardado o momento adequado, resultando que, talvez, o Presidente tenha que editar novo decreto. O segundo problema, grave, é que o perdão concedido viola um costume em vigor há muitos e muitos anos, ou seja, de regra o Presidente concede indulto, que é geral a todos que se enquadrem em determinada situação, assim sendo impessoal, e não concede graça, pois que esta é dirigida a uma única pessoa. O terceiro problema, gravíssimo, é que o Presidente, no caso do deputado federal condenado, agiu para beneficiar um amigo e correligionário político, ou por achar a condenação injusta, ou pelos dois motivos, afastando-se do usual motivo gerador de concessão de graça, que é uma doença terminal do condenado, ou a idade muito avançada do mesmo, ou longo tempo de prisão já cumprido, ou algum ato heroico praticado pelo condenado beneficiado.

E por qual razão catalogar o terceiro problema como gravíssimo? É que o Presidente, ainda que tendo agido formalmente segundo autorizado pela lei e pela constituição, feriu vários e vários princípios da mesma constituição, do que decorre que estará obrigado ou a reconhecer que deve revogar o próprio decreto que editou ou a também conceder graça a muitos e muitos que a pedirão.

Para entender a questão importa trazer alguns dispositivos da Constituição Federal: 1) No preâmbulo da Constituição consta que os “representantes do povo brasileiro, reuniram-se em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a IGUALDADE e a justiça como valores supremos”. 2) No artigo 5º, como garantia fundamental, está escrito que “TODOS SÃO IGUAIS perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à IGUALDADE. 3) O artigo 19 estipula que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” … III – “criar DISTINÇÕES entre brasileiros ou PREFERÊNCIAS ENTRE SI”. 4) Já o artigo 37 determina que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, IMPESSOALIDADE, MORALIDADE”. 5) E, finalmente, o art. 78 da mesma Constituição Federal, estabelece que “o Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, PRESTANDO O COMPROMISSO DE MANTER, DEFENDER E CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO, observar as leis, promover o bem GERAL do povo brasileiro”.

Ou seja, se o Presidente Bolsonaro concedeu graça quanto às penas atribuídas na condenação do deputado federal Daniel Silveira para proteger um amigo e companheiro político ou por não concordar com a decisão do STF, tanto faz, feriu vários princípios constitucionais e assim, obrigatoriamente, tem a obrigação de conceder graça a todos quantos assim o requererem.

É que a Constituição determina que todos sejam tratados com IGUALDADE, pois que é mandamento que TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, é proibido ao Presidente “criar DISTINÇÕES ou PREFERÊNCIAS entre os brasileiros, sendo mandamento da administração pública agir com IMPESSOALIDADE e MORALIDADE e, o Presidente Bolsonaro, ao tomar posse, jurou DEFENDER E CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO e não violar seus princípios, bem como jurou assim agir para promover o bem GERAL do povo brasileiro.

Pelos motivos acima é que ontem, dia 22, o signatário desta e a colega de escritório Priscila Leal, encaminharam e-mail ao Presidente Bolsonaro, requerendo concessão de graça ao condenado (preso) RMH, dado que o mesmo foi condenado por Vara Criminal da Justiça Estadual e o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu por anular a sentença condenatória em vista de reconhecer que a Justiça Estadual não era competente para aprecira e julgar aquela causa, pois que competente é a Justiça Federal. Detalhe: mesmo com a anulação da sentença RMH continua preso.

Quer dizer: no caso de RMH sequer se trata de o Presidente Bolsonaro entender se justa ou injusta a condenação, posto que se trata de uma decisão anulada que continua a gerar efeitos, pois que o réu está preso. Assim, dado o caráter de igualdade e impessoalidade, bem como tendo o Presidente jurado defender e cumprir a Constituição, tem ele a obrigação de conceder graça a RMH, perdoando a pena de seis anos e três meses de reclusão e 678 dias multa, do mesmo, pois, que, inclusive, menor da do deputado referido.  

Sérgio Canan

Advogado e professor universitário.

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