O perigo da romantização
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Sim, estamos vivendo uma época de romantização das dores, dos traumas, do sofrimento, mudando os lugares das reais vítimas e fazendo seus algozes não parecerem tão maus assim.
Diante de recentes produções cinematográficas e de séries como “Tremembé”, “A Menina que Matou os Pais” / “O Menino que Matou os Pais”, reacendeu um debate na sociedade brasileira: a romantização de crimes hediondos e seus perigosos impactos. Embora o formato true crime seja popular, é imperativo que o jornalismo e a crítica social questionem a maneira como essas narrativas são construídas, especialmente quando parecem inadvertidamente criar uma aura de fascínio ou até mesmo compreensão pelos criminosos.
O problema central dessas produções não é o relato dos fatos em si — afinal, a tragédia de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos é um marco na crônica policial. O perigo reside na excessiva imersão psicológica e no esforço em “humanizar” os perpetradores de forma descontextualizada. Ao dedicar tempo de tela significativo para explorar motivações, dramas pessoais e as complexidades de seus relacionamentos, o foco se desvia de suas vítimas e do peso real de seus atos.
Em vez de reforçar a seriedade da violação ética e legal cometida, a narrativa pode sutilmente transformar os criminosos em personagens complexos de um drama. Isso cria uma empatia perigosa na audiência, especialmente em jovens, que podem começar a ver a violência como uma resposta extrema, mas compreensível, a um histórico de frustrações ou abusos.
Um dos aspectos mais criticáveis desta abordagem é o apagamento das vítimas. O casal Richthofen, brutalmente assassinado em sua própria casa, muitas vezes se torna uma nota de rodapé na história de “Suzane”. As vítimas não podem perder sua voz, afinal seus legados, suas vidas e a dor incalculável de seus entes queridos são eclipsados pelo drama psicológico de seus algozes.
A produção de true crime, mesmo que ficcionalizada, carrega uma responsabilidade ética imensa. É fundamental que ao assistir uma narrativa como essa deva se manter o foco no fato e consequência, o cerne da história deve ser a brutalidade do ato e o impacto devastador que ele teve na família e na sociedade e evitar o glamour, não se deve retratar a prisão ou o processo judicial como etapas de um arco dramático de redenção ou de grande astúcia. A punição deve ser vista como a consequência legal, não como o clímax emocionante da história.
A série Tremembé, e outras semelhantes, servem como um alerta de que o fascínio pela mente criminosa precisa ser abordado com extrema cautela e distância crítica. Romantizar a violência, mesmo que inadvertidamente, é um desserviço à justiça e um desrespeito à memória das vítimas. E as críticas públicas estão aí contra essa distorção, garantindo que o crime seja sempre visto como tragédia e não como um espetáculo envolvente.