Projeto Direito à Poesia transforma vida de pessoas privadas de liberdade

Estimated reading time: 6 minutos
Do sentir direto para o papel e a caneta. Da escrita, um significado único à poesia. Da falta de liberdade, o sentimento de estar livre graças aos versos criados com a intensidade da alma. Essa é a proposta do projeto Direito à Poesia, projeto que há dez anos atua em penitenciárias de Foz do Iguaçu, com o poder de transformar vidas por meio da escrita.
INÍCIO – O professor adjunto da área de Letras da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Mario René Rodrígues Torres, relembra que “o projeto nasceu do interesse dos estudantes em atuar em unidades prisionais. Junto à professora Cristiane Checchia, que estava pensando em como viabilizar a proposta de atuação em mediação cultural, que é um dos cursos da Unila”.
Foi a partir do questionamento de alunos sobre o potencial da literatura circular em um espaço adverso como o presídio que surgiu a iniciativa de realizar um trabalho com pessoas privadas de liberdade, em uma perspectiva crítica sobre o encarceramento.
O projeto surgiu de forma gradual, inicialmente por meio do contato com professoras da unidade e, depois, com a polícia penal. A proposta recebeu apoio dos diretores das unidades prisionais e, com o tempo, foi fortalecida pela formalização de um convênio com a Secretaria de Segurança Pública e o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), garantindo maior respaldo institucional, conforme aponta Mario.
- Acompanhe nossa página do Jornal do Oeste no Instagram
- Entre no canal de notícias do Jornal do Oeste no Telegram
- Mantenha-se atualizado no grupo de WhatsApp do Jornal do Oeste
POR TRÁS DOS MUROS – São vários os motivos que levaram o grupo a atuar nesse ambiente, como explica o professor. “Por um lado, nosso desconforto com a ideia de que justiça e segurança signifiquem a construção de mais presídios, a ampliação da presença policial, a instalação de cercas elétricas na cidade e o fortalecimento da vigilância privada. Nós nunca sentimos que isso representasse segurança. Para nós, segurança está mais relacionada à construção do sentido de coletividade e ao desenvolvimento de práticas de cuidado mútuo”, aponta Mario.
Ele acrescenta ainda que “é muito importante entrar nas unidades prisionais para ver o que acontece, conhecer quem está ali e reconhecer que essas pessoas possuem conhecimentos fundamentais para pensar a sociedade. As histórias delas fazem parte das histórias das nossas cidades e essas pessoas têm também um grande potencial criativo”.
CONQUISTAS – Entre as conquistas, está a publicação de um livro em 2023, lançado no anfiteatro da Unila com a presença de quatro autoras ainda privadas de liberdade, um feito simbólico e marcante. Além disso, o projeto já realizou exposições na universidade com fotos e textos produzidos no presídio, promoveu eventos e encontros para discutir a situação dos presídios latino-americanos e difundiu produções artísticas de pessoas encarceradas. Também organizou cursos de formação online que alcançaram docentes, policiais penais e estudantes de diversas áreas.
POESIA FEMININA – O produtor cultural e atual chefe do Departamento de Cultura da Unila, Luciano d’Miguel, reflete sobre a potência da poesia.
“A poesia, apesar de também ter os seus métodos, o seu estudo, a sua metrificação e tudo mais, no fim, nos leva ao verso livre, a poesia é libertária. Eu consigo, hoje, ler um texto de uma mulher e perceber que não tem nada a ver com suavidade, nem com delicadeza, doçura ou ternura. Porque esses são códigos tão sacramentados, como se fossem parte natural e normal”.
IMPACTOS – Os efeitos do projeto são inúmeros, ainda que difíceis de medir, como explica Mario. “Recebemos o e-mail da filha de uma mulher que saiu da unidade há alguns anos. A filha nos escreveu no dia em que a mãe saiu, agradecendo, pois o nosso projeto havia possibilitado que a mãe não perdesse o brilho nos olhos. Outro exemplo é o de uma participante que nos contou que, depois que entrou no Direito à Poesia, passou a consumir menos ansiolíticos e antidepressivos. Ou seja, o projeto lhe possibilitou ter mais autonomia”.
- Acompanhe nosso canal de notícias do Jornal do Oeste no YouTube
- Siga nosso canal do Jornal do Oeste no TikTok
- Curta nossa página do Jornal do Oeste no Facebook
Entre os benefícios também está o reconhecimento da própria capacidade criativa e reflexiva, tanto para as mulheres privadas de liberdade quanto para os estudantes da Unila que aplicam o projeto.
TRANSFORMAÇÃO PELA PALRAVA – Uma das participantes é Jennifer Alecrin, que relata ter tido sua vida transformada pela escrita. “A poesia, a escrita e a literatura são libertadoras, liberta o ser humano de várias formas. É através disso que eu comecei a ver uma vida diferente daquela do mundo que eu vivia, no mundo peculiar errado.”
Ela lembra as restrições de convivência dentro da cela. “Quando era onze horas da noite, não podia falar ou exceder o tom de voz. Teria que ser numa altura limitada, só do portão de grade pra dentro da cela. Pra fora não podia ceder o tom de voz, a risada, a conversa, o volume da televisão, o volume do rádio. Então, muitas vezes, a gente se comunicava com as mãos, através das libras. Um dia o professor me perguntou: ‘Do que você sente mais falta aqui?’ Eu falei: ‘Eu sinto falta de falar. Eu não posso falar.’”
Foi por meio da escrita que Jennifer retomou a sua voz e expressão. “Se eu não posso falar com minha boca, se eu não posso definir um leve som, eu me valido com o que Deus me deu. O gesto, eu lhe empresto com as minhas mãos. Meus olhos seguem seus lábios, eu escuto seus pensamentos, a gente trama o encontro na constelação de libras, longe daqui”, declama com um de seus versos.
Ao transformar sua realidade e sentir sua liberdade novamente, ela afirma:
“Eu havia escolhido viver em um mundo errado, sem ter para onde correr. Com o meu aprendizado com a escrita, posso ser uma outra pessoa. Eu escolhi, através da minha escrita, mudar a minha história”.
Da Redação
TOLEDO