Celíacos enfrentam desafios diários e buscam inclusão alimentar

Estimated reading time: 7 minutos
A Doença Celíaca é uma condição autoimune crônica desencadeada pela ingestão de glúten – uma proteína presente no trigo, na cevada e no centeio. Para quem convive com o diagnóstico, a única forma de controle é a exclusão total desses alimentos da dieta, já que não existe remédio ou cura. Nesta sexta-feira (16), Dia Mundial do Celíaco, a data chama atenção para os desafios enfrentados por essas pessoas e os cuidados necessários para manter a saúde.
Nanci Marafon é celíaca, como são chamados os portadores da doença. Seu primeiro diagnóstico, aos 14 anos, foi de gastrite nervosa. Por cerca de 30 anos, usou medicamentos para tratar a condição, sem imaginar que o verdadeiro problema era outro. Ao longo dos anos, sofreu com dores abdominais, dores no corpo, cansaço constante e diversas fraturas devido a complicações ósseas causadas pela doença. Com frequência, era hospitalizada sem descobrir a real causa de seus sintomas.
SINTOMAS – O gastroenterologista Paulo Fernandes Neto, explica que os sintomas variam de pessoa para pessoa. “Os pacientes podem apresentar diarreias crônicas, com duração acima de três semanas, além de perda de peso, anemia, estufamentos e cólicas abdominais. Já em crianças ocorre o atraso no desenvolvimento, baixa estatura, irritabilidade e vômito. Lógico, tudo vai depender do grau de inflamação que tenham. Os sintomas podem variar de muito leve até desnutrições importantes, conforme o grau de inflamação do trato digestório”.
DIAGNÓSTICO – A condição pode ser hereditária, e quando um filho apresenta sintomas, os pais também devem ser investigados. Foi o que aconteceu com Nanci, em 2011.
“Meu filho mais novo teve alergia e precisou ser internado na UTI. O médico que atendeu mencionou o glúten e solicitou uma biópsia. Ele me convidou a fazer o exame também. Eu aceitei, mas meu resultado deu positivo, enquanto o do meu filho não”, conta.
Segundo doutor Paulo, o diagnóstico pode ser feito por endoscopia digestiva alta ou colonoscopia com biópsia das mucosas. “Os exames de laboratório também ajudam a identificar se há anticorpos contra o glúten e, algumas vezes, é realizado o estudo genético em casos mais duvidosos”, complementa.
Para Nanci, os primeiros anos após o diagnóstico foram difíceis.
“Fui orientada a não comer glúten, então comia carne e salada nos restaurantes pensando que estava segura. Embora tenha melhorado bastante, continuei com sintomas e com os exames alterados. Somente quando comprei livros e comecei a estudar a doença e a entender de contaminação cruzada, foi que melhorei”.
Caso a doença não seja tratada, os riscos aumentam significativamente. “Perda de peso, osteoporose, déficits de vitaminas e proteínas causadas pela diminuição de absorção pelo intestino. O maior problema a longo prazo sem o diagnóstico e sem o tratamento são os quadros de desnutrição grave”, alerta doutor Paulo.
ADAPTAÇÃO – Aprender sobre a doença e trocar experiências com outras pessoas ajudou Nanci no processo de aceitação. “Eu sempre gostei de cozinhar, então não me conformei em não poder comer as coisas que gostava. Errei muito nas receitas, muito mesmo e tive que estudar ingredientes, como por exemplo o modo de ação de cada farinha numa massa e quais ingredientes que dão liga. Assim comecei a acertar”.
Hoje, ela compartilha esse conhecimento por meio de programas de televisão regionais, cursos de culinária e consultorias. “O que eu ganho com isso são mais pessoas sendo diagnosticadas. Isso faz com que aumente a demanda por produtos, mais pessoas invistam em produtos e comércios para celíacos. Com isso, melhora a qualidade de vida desse grupo”.
POLÍTICAS PÚBLICAS – Nem sempre os espaços públicos estão preparados para atender quem tem restrição ao glúten. Há alguns meses, uma criança celíaca de cinco anos ficou dois dias sem se alimentar em um hospital de Toledo, que não possuía estrutura para esse tipo de atendimento. O local também proibia a entrada de alimentos externos.
A situação motivou a vereadora Olinda Fiorentin a propor uma lei que libera a entrada de alimentos sem glúten nos hospitais, desde que haja consentimento de um nutricionista da unidade. A proposta foi sancionada em dezembro de 2024.
“Essa legislação veio para contemplar o sistema de saúde do município das pessoas que estão internadas, para que recebam o alimento sem glúten”, afirma Olinda. O projeto, inclusive, foi premiado em Brasília. “Eu me emocionei com este prêmio de destaque nacional. Ele é um retorno do meu trabalho, significa que estou no caminho certo e que estou fazendo o bem, que estou fazendo a diferença”, comemora.
A Cozinha Social de Toledo foi adaptada para atender crianças celíacas das escolas municipais. Edson Pimenta, diretor do espaço, explica que “a adaptação da cozinha foi feita em uma sala separada. Já faz cerca de dez anos que são feitos os atendimentos às pessoas celíacas”. Segundo ele, os pratos são similares aos das demais crianças. “O arroz-doce, por exemplo, fica com o mesmo sabor e a mesma aparência, mas é produzido com produtos que são aceitáveis para quem tem essas restrições”.
Para o novo hospital Bom Jesus, que em breve estará em construção, já está previsto um espaço de cozinha específico para pessoas com restrição ao glúten. “Quando a pessoa é noticiada que é celíaca, ela precisa saber dessa legislação e aí vem a importância da comunicação. Porque a pessoa não pode simplesmente colocar o alimento em uma sacola e entrar em um hospital. É necessária a aprovação de um nutricionista”, reforça Olinda. Ela complementa que “a doença celíaca não é frescura. O glúten prejudica a saúde sim. Então é muito importante para a população ter o conhecimento disso”, alerta a vereadora.
ALIMENTAÇÃO – A aceitação do diagnóstico é essencial, destaca Nanci. “Para evitar tanto sofrimento, o celíaco também pode mudar sua forma de pensar. A doença celíaca é uma doença autoimune. O controle dela está na dieta alimentar”.
A nutricionista Thainara Gottardi reforça que entender onde o glúten está presente é fundamental. “Além do pão e massa, é preciso verificar se o glúten está em molhos prontos e temperos. É importante saber identificar e ler rótulos. Manter a organização da cozinha, com utensílios separados e higienizados também garante a proteção”.
Ela ainda ressalta a importância do acompanhamento de profissionais da saúde para prevenir e tratar deficiências nutricionais. “É fundamental manter boas porções de folhas, legumes, frutas, oleaginosas, raízes, ovos e carnes magras na rotina, dentro do que é realista para cada um”.
Por fim, a leitura atenta dos rótulos é indispensável. “Todos os alimentos devem conter a frase ‘contém glúten’ ou ‘não contém glúten’. É preciso ater-se se os ingredientes derivados de trigo, cevada, centeio ou malte estão presentes nos ingredientes. Mesmo que o rótulo indique que não contém glúten, é possível que o produto apresente a frase ‘pode conter traços de trigo’, o que sinaliza risco de contaminação cruzada”, conclui.
Mais do que uma restrição alimentar, a doença celíaca exige conhecimento, disciplina e, acima de tudo, empatia. Para quem convive com o diagnóstico, cada escolha alimentar é também um ato de cuidado com a própria saúde. A história de Nanci, o trabalho dos profissionais da saúde e as iniciativas públicas mostram que, com informação e acolhimento, é possível transformar desafios em caminhos de conscientização e qualidade de vida. Afinal, garantir alimentos seguros e acessíveis não é um favor, é um direito de quem precisa viver sem glúten para viver bem.
Da Redação
TOLEDO