Éramos quatro: intervenções em casos de ideações suicidas

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O dia mais esperado do ano caiu em um domingo ensolarado. Acordei animada no dia 17 de abril de 2011 para fazer um almoço em comemoração aos meus 21 anos de idade. Na função de receber meus amigos, eu, Joana Gayardi Magnabosco, não dei muita atenção para a minha família. Observei que meu irmão mais velho estava quieto e emburrado, sentado sob a mesa de concreto, com os pés apoiados em um banco e o corpo inclinado para frente, com os braços apoiados no joelho. Convidei para beber e se enturmar, mas ele nunca foi chegado em álcool e recusou o convite com a cara fechada. Em poucas palavras, avisou que estava indo embora, antes mesmo do churrasco ficar pronto.

Passei a tarde no clube com meus amigos e retornei para casa no começo da noite. Meus pais chegaram um pouco mais cedo e decidiram estender as comemorações, pediram para que eu acordasse o meu irmão para jantarmos em uma pizzaria. Fui até o quarto do Matheus Gayardi Magnabosco, um jovem administrador, de 23 anos, que sonhava em ser músico e tocava guitarra com maestria, principalmente, solos de heavy metal. Entrei no quarto escuro, sentei na cama, ao lado dele: “acorda, mano. Vamos jantar fora!”. De barriga para cima e embaixo das cobertas, ele nem sequer abriu os olhos.

Fui tomada pela pirraça de pentelhar o irmão mais velho. Comecei a cutucar o seu ombro com o dedo indicador, aumentando cada vez mais a força. Ele não teve reação alguma. Para sacanear, comecei a dar tapinhas no rosto e a apertar de leve o queixo e as bochechas, achava que era brincadeira. Acendi a luz e vi seu rosto inexpressivo em um sono profundo. Nervosa, sacudi sua cabeça e seu ombro um pouco mais forte, ele permanecia inerte e sem qualquer expressão facial. Era algo completamente atípico na brincadeira entre irmãos, onde alguém sempre revida.

Apavorada, chamei os meus pais no quarto e eles foram um pouco mais incisivos para acordá-lo. Em uma das sacudidas, ele mal abriu os olhos. Parecia lesado, completamente dopado e em outra dimensão. Não entendemos o que estava acontecendo, então minha mãe, Teresinha Gayardi Magnabosco, de 48 anos na época, deu um banho para acordá-lo. Embaixo do chuveiro, mesmo com a água fria em seu corpo, ele não teve reação alguma. Ficou evidente a necessidade de levá-lo ao hospital. Meus pais o colocaram no carro e o levaram para o pronto socorro. Diante do médico, Matheus confessou que fez uso excessivo de medicamentos, junto a ingestão de bebida alcoólica, com o objetivo de ir embora desse mundo.

Perdemos o chão diante deste ato, ao mesmo tempo em que brotavam dúvidas de como agir nesta situação. Segundo a psicóloga Alini Parizotto, “o primeiro passo é buscar ajuda. A linha da psiquiatria entra com a medicação, onde o psiquiatra vai fazer uma avaliação, até mesmo para verificar se tem algum transtorno associado. Entra também a questão da psicoterapia, para entender  o processo em que a pessoa está passando. Essas duas ajudas são as principais, quando a pessoa está chegando a este extremo. Alguns municípios possuem o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que atende as pessoas que estão em situação de risco em relação a tentativa de suicídio. Então, são três ajudas bem importantes a serem procuradas”.

Minha mãe relata duas atitudes marcantes ao longo da vida de Matheus, no qual já demonstrava ideações suicidas. Após não rodar o VHS do filme Free Willy, no aparelho de videocassete, ele ficou revoltado e queria cortar os pulsos com uma faca de serrinha, aos seis anos de idade, em 1993. Na adolescência, por volta dos seus 17 anos, minha mãe chegou em casa de um compromisso e o encontrou no quarto, cortando o peitoral com uma faca. Ela relata que sentou para conversar e ele contou que só não fez nada para que nossas avós não sofressem. Em ambas as situações, ela conversou, acolheu e dialogou para entender o que estava acontecendo.

Alini Parizotto explica que, neste momento, o importante é ouvir mais e falar menos. “Nesta situação, a pessoa não está em momento de responder perguntas de o porquê fez isso ou aquilo. É necessário dar o tempo para a pessoa ir falando, para ela falar o que quiser. Aí vai criando vínculo e afinidade com a pessoa, ela vai colocando para fora, o que talvez, por muito tempo, ela não conseguiu. O acolhimento é deixar a pessoa falar o que quiser e com base nisso conduzir a conversa”.

O acompanhamento psicológico é de extrema importância, conforme a orientação de Parizotto. “Na psicologia, eu trabalho com a linha da Terapia Cognitiva Comportamental. Os profissionais dessa área buscam estratégias e técnicas para que o paciente analise e se torne consciente do estado atual. Buscamos alternativas para lidar com os conflitos que ele vive naquele momento. Também entram algumas mudanças mentais que são bem importantes a serem adaptadas nesta fase que está vivendo. É um conjunto de fatores a serem adaptados para acompanhar nesta caminhada difícil”.

O psiquiatra Adolfo Regis Feitosa Gomes pondera os motivos pelo qual há resistência ao tratamento psiquiátrico. “Boa parte das pessoas que não fazem o tratamento, ainda estão no preconceito. ‘Não sou louco’, ‘o que podem pensar de mim?’ são pontos em que a família e os amigos podem ajudar. A família pode incentivar para fazer o tratamento e às vezes a pessoa tem amigos e familiares que já fazem o tratamento, então podem relatar algum tipo de experiência para aquele que possui esses pensamentos. A questão do psicólogo também ajuda bastante. Na prática, percebemos que o preconceito com a saúde mental é menor com o psicólogo do que com o psiquiatra. Se for para ajudar, também pode começar pelo psicólogo sem problemas”.

A psicóloga Alini salienta que existem três principais fatores em que a família deve estar atenta. O primeiro deles é a mudança inesperada de comportamento, onde a pessoa larga o trabalho, o esporte ou outro hobby, visto que estas questões deixam de fazer sentido. O segundo ponto está no cuidado com a fala da pessoa. Alini orienta “é necessário prestar atenção nas falas de alerta: ‘quero sumir’, ‘quero morrer’, ‘não quero mais fazer nada’. Essas são falas de alerta em que a pessoa está pedindo ajuda. O terceiro ponto de atenção é a depressão, um fato bem relevante para a família ficar atenta, pois a pessoa depressiva vai perdendo o sentido de viver, ela está com uma dor muito grande”.

A aflição emocional do meu irmão ganhou mais força. Na quinta-feira daquela mesma semana, dia 21 de abril, meu pai, Ernani Magnabosco, ligou para a escola em que minha mãe trabalhava. Avisou que havia um problema urgente com o filho. Ela largou tudo e correu para casa. Apenas três dias após a primeira tentativa, ocorreu outra. Desta vez, ele gravou um CD com um vídeo para se despedir da sua primeira ex-namorada, onde ele pedia para que a mãe dela a cuidasse.

Matheus foi levado ao hospital novamente. Devido à reincidência, o médico orientou o internamento em um hospital psiquiátrico. Dr. Adolfo ressalta quando as internações são recomendadas “as internações psiquiátricas acontecem para proteção do paciente, bem como para a proteção de terceiros. Na ideação suicida propriamente dita, precisa avaliar alguns fatores que fazem pensar que o risco é muito grande, para que aconteça a tentativa propriamente dita. Então por exemplo, o maior risco para uma tentativa de suicídio, é a tentativa de suicídio anterior. Quanto mais próxima da tentativa, maior é o risco. A gente dá um prazo geralmente de 30 dias, quando tiver um mês dentro de uma tentativa anterior, existe um risco muito grande de se tentar novamente”.

Alini Parizotto aponta a importância desta intervenção, diante destas situações. “É onde a pessoa terá o acompanhamento diário, terá vários profissionais acompanhando: psiquiatra, psicólogo e, em alguns casos, assistente social. São profissionais que sabem lidar melhor com o paciente. Muitas vezes, a família está desesperada, em situações de conflito ou, até mesmo, não formam uma preparada rede de apoio”.

O doutor que o atendia recomendou um hospital psiquiátrico de Londrina, um dos poucos que aceitava o plano de saúde. Este mesmo psiquiatra fez questão de ligar para o hospital para repassar as necessidades do seu quadro clínico. As orientações médicas indicavam que ele deveria ficar internado de 15 a 30 dias, período em que não deveria receber visita alguma e, portanto, foi levada uma quantidade suficiente de roupas.

Na manhã do dia 22 de abril, feriado de Sexta-feira Santa, Matheus foi completamente dopado de medicamentos para fazer uma viagem de 4 horas. Ao chegar no hospital, meus pais foram orientados de que o plano regional não incluía a cidade de Londrina e, então, sugeriram para que ele ficasse no particular. Eles queriam três mil reais para a hospedagem sozinho no quarto, mas, na época, não tínhamos condições financeiras. Chegou-se ao acordo para ele ficar em um quarto com três camas e o valor caiu para a metade.

Ainda naquela manhã, por volta das 11 horas, após a primeira consulta com o novo psiquiatra, aconteceu a primeira contradição. Disseram que era obrigatório visitá-lo diariamente, o que deixou minha mãe apavorada. Seria impossível, devido ao trabalho de todos nós, além de fugir do acordo inicial. Também pediram para que deixassem menos roupas e para que as levassem outras limpas a cada visita.

Meus pais saíram para almoçar, arrasados pela forma como receberam as orientações, destoando das recomendações iniciais feitas em Toledo. Por ser feriado, não haviam restaurantes abertos e tiveram que comer na rodoviária. Ao retornar para o hospital, às 15 horas, no horário de visitas, novos empecilhos surgiram. Informaram que deveria ter um profissional 24 horas junto como Matheus, já que ele tinha tentado suicídio. Avisaram que esta pessoa deveria ser paga à parte.

Irritada e tensa, minha mãe foi conhecer as instalações onde ele ficaria. Ela descreve o quarto da seguinte maneira. “Eram três camas em um quarto cheio de grades, como de uma prisão. A cama, para ele, nem estava arrumada ainda e a janela de basculante possuía grades e ficava bem no alto. Tinha um armário com três repartições, uma para cada paciente. As paredes eram branco com azul e tinha um banheiro com chuveiro no quarto. Me senti tão mal naquele lugar”.

Meus pais dirigiram-se à sala de visitas, onde haviam outros pacientes internados em recuperação de dependência química. A cada passo, a angústia deles aumentava, pois os atendentes do hospital insistiam que deveria ter um profissional para ficar 24 horas com o Matheus.

Ao reencontrar o mano, a primeira pergunta que minha mãe fez foi se havia almoçado. Ele respondeu que foi um bom almoço, que comeu um pão com carne moída. Éramos acostumados a vê-lo comer muito, pois frequentava a academia com o objetivo de hipertrofia. Com o coração rasgado, ela perguntou se apenas um pão era suficiente para saciar a fome. Grogue de medicamentos, Matheus respondeu que tinha um cara legal que colocou um colchão atrás dele, caso ele caísse da cadeira durante a refeição.

A forma como meus pais foram tratados foi humilhante, minha mãe descreve como a pior de todas as situações em que ela passou com meu irmão. Naquele momento, ligaram para o médico que havia orientado o internamento e explicaram a situação, deixando-o indignado. A situação foi tão absurda neste hospital, que foi combinado com este psiquiatra que minha mãe ficaria 24 horas junto ao meu irmão, pelo período de 45 dias. Os atendentes resistiram em liberá-lo e em devolver o dinheiro. Após muita insistência, conseguiram pegar o menino de volta e reaver o dinheiro, mas houve uma cobrança de 150 reais pelas breves horas em que ele ficou internado. Minha mãe afirma que foi o pão com carne mais caro que já pagou na vida.

A possibilidade de internar em um hospital psiquiátrico foi completamente descartada. Minha mãe pediu afastamento das salas de aula, onde lecionava a disciplina de física. Ela dedicou-se completamente aos cuidados do filho, onde dormia, acordava e ficava o tempo inteiro ao lado dele. De acordo com Alini Parizotto, “nos casos em que a família opta por realizar o acompanhamento, se a pessoa volta para casa, seria importante não deixá-la sozinha, bem como manter distante de objetos cortantes ou de objetos em que ela possa cometer tentativas. O importante é a vigília constante desta pessoa, além da busca de profissionais para o seu tratamento”.

A rede de apoio é outro fator fundamental, conforme aponta Alini. “Geralmente, pensa-se que a nossa família é a rede de apoio, mas não é sempre assim. Se a família é bem estruturada e quer o bem daquela pessoa, elas conseguem acolher, aí é indicado. Mas, se a família é um dos fatores estressantes neste período difícil, o ideal não seria a rede de apoio dos familiares. Há outras formas de construir a rede de apoio, como as amizades. Elas podem ajudar a colocar para fora, às vezes, a pessoa vai escutar. Também há grupos de ajuda, como alguns órgãos do próprio município. Estes órgãos oferecem apoio e orientação. Eles acolhem, escutam e buscam entender o que a pessoa está passando naquele momento”.

Essa foi uma época muito difícil. Os medicamentos que o Matheus tomava davam muitos efeitos colaterais. Me lembro das suas pernas agitadas, inquietas, com sacudidas intermináveis, ao mesmo tempo em que tinha um olhar anestesiado e conectado com outra realidade. Estar perto dele me despertava muita aflição, pois era estranho observar alguém com uma expressão facial fora de órbita, enquanto os pés e as mãos se movimentavam de um jeito frenético.

Após alguns meses, com o tempo, tudo foi voltando ao normal e a rotina ganhou mais espaço. Lembro do incômodo que ele sentia com os efeitos colaterais e também do quanto achava caro o tratamento, tanto a consulta psiquiátrica quanto o valor dos remédios. Certo dia, ele ligou para minha mãe eufórico e avisou que o psiquiatra deu alta dos medicamentos, enfatizando que ela poderia ligar para o doutor para confirmar. Foram várias tentativas, mas ninguém atendeu. Somente depois, ela foi entender que o Matheus mudou o número do contato do médico no celular dela, para que a ligação jamais fosse atendida. Ele sempre falava a verdade para ela, porém, esta foi a primeira ocasião em que ele mentiu para a própria mãe.

Lembro de vários episódios em que Matheus queria ficar na cama o dia inteiro, dormindo. Foram inúmeras vezes em que ele ficou completamente calado, diante das tentativas de diálogo dos meus pais. Chegava um ponto em que meus pais ficavam agoniados, sem saber o que fazer para que ele se abrisse ou falasse alguma frase qualquer. Eram momentos delicados, repletos de iniciativas para acolher e entender, sendo que a maior parte delas eram ignoradas, dominadas pelo silêncio e por alguns resmungos do menino. Somente em raras ocasiões, a sós com a minha mãe, em um ambiente com o amor, carinho e paciência materno, ele conseguia se abrir.

Assim se passaram dois anos, entre altos e baixos. Eu e minha família não nos recordamos com clareza qual era o transtorno que havia sido diagnosticado na época. Havia momentos em que ele era completamente doce, educado e gentil. Ele tinha um senso de justiça muito grande e, em algumas ocasiões, procurava fazer o bem, como prestar assistência para uma família de amigos em que um senhor sofreu um AVC.

Por outro lado, a agressividade apresentava-se desde a infância em momentos de derrota, como era o caso quando perdia em jogos de videogame. Na adolescência havia episódios em que ele era violento comigo, por razões mínimas como lavar a louça ou alimentar os cachorros. Quando ele tinha 20 anos, tentou bater em um vizinho com um pé de cabra devido ao uso de som alto, que tremia os vidros da nossa casa. Seus picos de explosão aumentaram quando fez uso de anabolizantes. Ocorreram momentos em que ele ficava transtornado, ao ponto de chutar a porta e trincá-la, além de quebrar troféus de campeonato de Taekwondo, dentre outros objetos que estavam no quarto. Sua instabilidade era extremamente desafiadora. Sempre que algo estava errado, eu sentia um aperto no coração, uma dor física. Essa era a nossa sinergia.

O psiquiatra Adolfo informa que, geralmente, ideações suicidas estão vinculadas com transtornos mentais. “É muito raro você ter uma ideação suicida sem um transtorno mental. Estima-se que 95% das ideações e tentativas acontecem devido um transtorno mental de base. Esses outros 5%, geralmente acontecem por impulsividade. São casos em que a pessoa passa por algo estressante e não sabe se adaptar aquela situação, então acaba tendo a ideação ou a tentativa. Pelo fato de 95% das ideações terem um transtorno mental de base, isso significa que é passível de tratamento e prevenção”.

Em meados de agosto de 2013, Matheus voltou a ficar mais fechado e introspectivo, com o término do segundo relacionamento. Na terça-feira, dia 17 de setembro, ele me deu carona até a rodoviária. No trajeto, ele disse que estava disposto a mudar, a agir diferente. Me pediu conselho, com as seguintes palavras: “o que você acha que eu devo mudar, o que eu devo fazer? Estou disposto a tudo!”. Respondi que ele deveria se controlar mais, ser menos reativo e que deveria cuidar de si mesmo, encontrar um centramento. Foi uma conversa muito franca e tocante, até nos despedimos com um raro abraço entre irmãos. Antes que eu saísse do carro, afirmei que ele sempre poderia contar comigo.

No sábado daquela mesma semana, aconteceria o noivado da minha prima em outra cidade. Meu irmão ia tocar em um evento e precisou ficar, somente eu e meus pais iríamos pegar a estrada. Naquela manhã do dia 21 de setembro, ele ficou tirando as músicas na guitarra para o show. Após o almoço, na hora de se despedir para irmos à Francisco Beltrão, lembro de uma cena muito recorrente: ele estava sentado no sofá, com o notebook no colo. Com a cara emburrada, ele se levantou do sofá para abraçar meu pai, foi um abraço forte por parte do pai, frio e distante por parte do meu irmão. Minha mãe o abraçou e o beijou três vezes. Eu o abracei e disse essas palavras: “se cuida, não vai aprontar”.

Naquela noite, antes de ir para o noivado, vi na sala da minha tia uma foto em um pequeno porta retrato de porcelana branco. Na imagem, meu avô segurava meu irmão no colo, quando ele ainda era um bebê, com poucos meses de vida. Tirei uma foto com o celular, mas, só poderia mostrar pessoalmente, pois na época não tinha como enviar fotos assim como é hoje.

Por volta das 19 horas, antes de ir para o jantar, minha mãe ligou para ele, queria saber se estava tudo bem. Ele contou que havia passado o som e que estava tudo certo. Como de costume, ela disse: “que Deus te abençoe, que tudo corra bem”.

Após a janta, fui direto para a cama e, na sequência, começou um forte temporal. Acordei no meio da madrugada com o SMS do namorado que eu tinha na época. Ele avisou que meu irmão não apareceu para o show e que ninguém conseguia entrar em contato com ele. Minha mãe estava dormindo na casa de outra tia, resolvi ligar para avisar. Dali em diante, não consegui mais dormir. Sentia raiva, aflição, ansiedade e nervosismo, enquanto me revirava de um lado para outro, com um grande aperto no peito. Devido à chuva de pedra e ao vendaval, foi impossível pegar estrada naquele momento. Combinamos de sair por volta das 7 horas, para chegarmos em Toledo às 11.

Aquela manhã de domingo estava nublada, cinza, com uma chuva fina e contínua, ao longo de toda a viagem. Observamos as casas destruídas pelo vendaval em diversas cidades, até mesmo o exército estava prestando socorro para as famílias recém desabrigadas. O coração de todos nós sentia algo pesado.

Quando chegamos, meu pai parou o carro em frente ao portão eletrônico. Vimos o carro do Matheus estacionado em frente de casa e sentimos um certo alívio. Minha mãe saiu para entrar pela porta da frente, eu e meu pai entramos pela garagem, nos fundos de casa. Quando o carro parou no lugar certo, meu pai gritou: “meu filho, o que você fez?”. Fui tomada pelo impacto da cena chocante diante dos meus olhos e fui para o lado oposto, retornei para frente da casa. Minha única reação era fugir daquele cenário, para minimizar o trauma que se instalou em segundos.

Amparados por nossos amigos, após a saída da polícia, dos bombeiros e do Instituto Médico Legal (IML), entrei com meus pais no quarto deles. Fechamos a porta e, ainda em frente à ela, nos abraçamos juntos, em um único abraço. Meu pai disse: “agora, somos só nós três, agora, somos uma família com três pessoas, um de nossos pilares não está mais aqui”.

A nossa vida desmoronou em segundos, ao mesmo tempo em que ficamos anestesiados com a situação. Era dia 22 de setembro, faltavam três dias para ele completar 26 anos, no dia 25. Em questão de duas ou três horas, a casa ficou cheia de amigos e pessoas queridas. Foi indescritível o número de amigos que estavam ali para demonstrar tamanho carinho e consideração por ele. Às vezes, me perguntava: “será que ele tinha consciência de quantas pessoas ele poderia contar? Será que ele tinha noção de que vários amigos realmente se preocupavam com ele, mas por ele nunca demonstrar nada aos amigos, não havia como ajudar?”.

Após alguns meses, naquele mesmo espaço em que encontramos meu irmão, meu pai plantou diversas flores coloridas, para ressignificar, trazer vida e um novo recomeço para nossa família. Após passar o momento mais doloroso, minha mãe criou um grupo de apoio às pessoas depressivas e seus familiares, com reuniões presenciais a cada duas semanas, além de participar de várias iniciativas no Setembro Amarelo. “Esta campanha não deveria ser de apenas um mês, mas vivenciada nos 365 dias do ano”, enaltece Teresinha Gayardi Magnabosco

Por Joana Gayardi Magnabosco

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