Como interromper o ciclo da violência?

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Tínhamos entre 12 e 13 anos e éramos seminaristas. Nas férias convivíamos com os demais garotos da vizinhança e o futebol no campo da escolinha era sagrado. A turma toda estava jogando e no calor da disputa surge uma discussão. Empurra daqui e dali até que um dá um sopapo na cara do outro. Aquele que deu o sopapo não era seminarista. Aquele que levou o sopapo era seminarista. Este estava todo imbuído da mensagem cristã de paz e amor, além do ensinamento de amar ao seu inimigo. Afinal, qual é o mérito de amar a alguém que te ama? Bom, esse era o mundo interno do meu amigo seminarista. Assim, logo após ser agredido, ele olhou para o outro menino e disse:

– Pode me dar um tapa desse lado também… e ofereceu a outra face.

Todos nós ficamos boquiabertos com a sua atitude. Durou pouco tempo o efeito da primeira surpresa, porque a resposta do outro menino nos surpreendeu ainda mais. Somente ouvimos o som da mão aberta estalando na face do meu amigo seminarista que arregalou os olhos sem entender nada. “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra” (Lucas, 6, 29) foi seguido ao pé da letra pelo meu amigo seminarista, mas não funcionou. O outro não estava na mesma página. O que nos ensina a cena sobre uma das mensagens mais instigantes de Cristo? Como levar essa aprendizagem para as relações pessoais e profissionais? Importante lembrar que os ensinamentos sobre comportamentos, dificilmente, são literais. A mensagem por detrás da ideia de oferecer a outra face ao sermos agredidos, é um convite para interromper o ciclo da violência, não para a ingenuidade. Ao buscar elementos da inteligência positiva, é o momento de chamar o sábio interior para tomar a melhor decisão sem ser sequestrado pelos sabotadores próprios ou alheios. Ao inserirmos elementos da Comunicação Não-Violenta se pode organizar o comportamento para interromper o ciclo da violência sem ser Cristo. Uma (0) pausa pode ajudar a contatar com a realidade ordinária da situação. Com isso, se pode (1) Observar os fatos como eles realmente são. Isso nos leva a analisar quais os (2) sentimentos envolvidos bem como quais as (3) necessidades de um e de outro na situação presente. Depois, com o sábio no comando das ações, a pessoa está apta para se (4) expressar em conformidade com a situação. É fácil? Nenhum pouco, porque o nosso instinto de sobrevivência alinhado com os sabotadores tende a dar uma resposta violenta frente a violência. Por isso, a pausa é fundamental para sair do modo sabotador e entrar no modo sábio. Dessa forma, pode-se interromper o ciclo da violência ao não responder com violência uma violência recebida. Oferecer a outra face? Não seja tão ingênuo, porém não fomentar a violência passa pela consciência de que frente a ela tenho outras alternativas. Busque o seu sábio para ter empatia consigo e com o outro; explore com genuína curiosidade o que está acontecendo; inove frente a uma situação difícil; navegue por diferentes mares que não seja “olho por olho, dente por dente”; ative o seu sábio em que a melhor resposta pode ser a não resposta. O convite ao oferecer a outra face é o de interromper o ciclo da violência no trabalho, no lazer, nas famílias e na vida. Não para ser crucificado.

A vida é mais complexa do que nos ensinam os livros. A vida é não-linear pelas escolhas que podemos fazer. O convite é para interromper o ciclo da violência ao agir com a consciência de que podemos criar um mundo melhor. Enfim, o meu amigo seminarista ofereceu a outra face e levou outro sopapo. Ele reclamou e desabafou depois do episódio, porém aprendeu e desenvolveu a não-violência ativa. Hoje, com mais de cinquenta anos ele não vai te oferecer a outra face, mas ele não vai agredir a tua. Ele interrompeu o ciclo da violência e é muito bom estar com quem ele é!

É bom estar com quem você é?

Moacir Rauber

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