Direito sistêmico: uma ferramenta para a humanização do judiciário

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Novos caminhos podem trazer mais esperança para uma vida com impasses; esse é um dos objetivos do direito sistêmico. Ele propõe uma nova visão das questões jurídicas, tanto para operadores do direito como para as partes. O direito sistêmico é uma forma de abordagem do Direito, ele não é uma espécie dentro do Direito como Civil, Penal, Trabalhista.

Michele Katiane Covatti – advogada sistêmica, consteladora, presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/PR, subseção de Toledo e Mayara Alflen – advogada sistêmica e vice-presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/PR, subseção de Toledo e membra da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/PR, aplicam esse meio no município.

Elas explicam que a filosofia sistêmica e as constelações familiares de Bert Hellinger podem ser utilizadas em todas as áreas do Direito e em relações conflituosas ou litigiosas, dentro e fora do judiciário. “É possível trazer um novo olhar; um olhar mais humano e proporcionar maior equilíbrio em relações conflituosas, despertando a consciência e a autorresponsabilidade de todos os envolvidos”.

O direito sistêmico é um dos métodos alternativos para resolução de conflitos, propostos pelo Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2015, abrindo uma porta para os meios autocompositivos, que estimulam a construção da solução dos conflitos pelas próprias partes, a conciliação e a resolução sociológica do litígio, além da jurídica.

De acordo com as advogadas, grande exemplo de êxito na aplicação desta abordagem são os casos da Vara da Família, onde muitos dos conflitos envolvem questões emocionais, ou seja, assuntos relacionados ao matrimônio, filhos, irmãos, pai ou mãe.

Foi justamente neste contexto, da Vara de Família, que o juiz Sami Storch, criador do método Direito Sistêmico, aplicou as constelação nos processos. Depois de testar as dinâmicas sistêmicas aplicadas aos processos, o profissional observou que os resultados eram positivos, pois o número de acordos era maior.

RESPOSTA – As advogadas Michele e Mayara esclarecem que o cidadão procura o atendimento para ter uma resposta jurídica de determinado problema. “Mas, por trás daquele problema, existem questões mal resolvidas. Elas sim são o conflito e não o processo em si. A proposta do direito sistêmico é abordar o problema e o conflito. Ter um olhar do todo e não somente do ‘remédio’ jurídico em si”, comentam as advogadas ao complementarem que o direito sistêmico atua nas esferas emocional e sociológica. “Assim, resolvemos o conflito de uma forma mais abrangente, eficaz, evitando em muitos casos o retorno ao Judiciário para rever temas daquela situação”.

Elas ainda citam que um serviço comum na Vara da Família é o divórcio. “As partes se divorciam, porém o conflito não encerra. Isso acontece porque realmente o conflito ainda está presente entre o casal e precisa ser resolvido. O direito sistêmico colabora neste processo, assim como em questões das áreas empresarial, organizacional, trabalhista e criminal. “Todas as áreas podem ser beneficiadas. Às vezes, um simples diálogo com o cliente faz com que ele reflita e escolha o melhor caminho”, destacam as profissionais.

As advogadas Mayara e Michele aplicam esse meio no município – Foto: Divulgação

ORGANIZAR O PENSAMENTO – As advogadas mencionam que no Paraná, já há mais de 30 Comissões de Direito Sistêmico dentro das OAB’s, sendo que a de Toledo, foi a quarta Comissão no Paraná. No município, as atividades iniciaram em 2019.

Mayara comenta que o atendimento sistêmico geralmente acontece dentro do escritório e utiliza diversas técnicas para aprofundá-lo. Contudo, a base é a constelação familiar. Michele pondera que na atuação do Direito Sistêmico, não é necessário que seja feita a constelação do caso, algumas vezes técnicas simples de perguntas, reflexões, pequenos exercícios já trazem uma nova concepção do caso. Além disso, há outros meios alternativos no Direito, como a mediação e a justiça restaurativa.

“Poderíamos dizer que o direito sistêmico é interessante porque ele busca olhar o que está além do conflito. Os advogados e operadores do Direito que se atentam para essa abordagem, geralmente percebem a existência das raízes do problema no começo do processo, pois o olhar está diferente, ele está mais voltado ao respeito com a vida, em como as relações são construídas até chegar ao Judiciário”, citam Michele e Mayara.

As advogadas mencionam que atualmente existe uma busca pela regulamentação de como proceder com direito sistêmico, já que ele vem ganhando espaço nacionalmente e se expandido para outros países. “Atualmente, não existe uma regra de como fazer o direito sistêmico, como aplicá-lo, as comarcas estão aplicando dentro e fora dos Fóruns de acordo com a possibilidade e abertura do Judiciário e da comunidade, porém ao que tudo indica, o procedimento deverá ser regulamentado em um futuro próximo”.

Em Toledo, o direito sistêmico está sendo bem desenvolvido. “Muitas pessoas optam por este meio alternativo. Nós sempre destacamos ao cliente que não existe nenhuma obrigatoriedade, é apenas mais uma ferramenta para buscar a solução do conflito e que muitas Comarcas já aceitam a técnica. Porém, cabe ao cliente aceitar ou recusar a qualquer momento”, explica Michele.

Segundo Mayara, no próprio atendimento de advocacia podemos atuar com o direito sistêmico, utilizando ferramentas e pontuando as questões que precisam ser esclarecidas antes da solução jurídica do fato. “Antes de abordar o conflito, acredito ser pertinente observar as memórias inconscientes, ou seja, verificar por trás do conflito se já existia um problema, o qual muitas vezes, pode não estar relacionado ao atual conflito. Então, buscaremos a solução”.

Mayara cita ainda a questão do divórcio. “Às vezes, sou procurada para realizar esse serviço. Em uma conversa, o cliente aceita retornar para casa para analisar a situação e em alguns dias, revela que houve mudança na relação e desiste do divórcio. De outro lado, existem clientes em que a técnica é apresentada, e que ainda assim, preferem continuar o processo, porém mais conscientes da decisão”.

A advogada Michele pondera que quando uma pessoa decide buscar a Justiça tem em seu íntimo o desejo de organizar algo ‘bagunçado’ em sua vida. “Muitas vezes, o cliente não procura por um advogado, porque quer resolver uma questão, e sim, ele deseja uma reparação, uma penalização para a outra parte, se sente injustiçado, mas é importante compreender, porque está envolvido naquela questão. O que aconteceu em minha vida? Quando a pessoa se permite ter esse olhar, compreender seus próprios comportamentos, percebe que algumas de suas atitudes podem estar desencadeando estes e outros conflitos”.

Ela relata que o profissional que atua de forma sistêmica passa a ouvir mais o cliente antes de falar. “Se colocar em uma postura de ouvinte. Isso não altera o conceito de Justiça, e sim, é uma questão de postura, de mudança de consciência, olhar para a parte com respeito e, principalmente, não querer impor a minha vontade como parte ou como advogada, sem considerar a do outro, e sim, buscar a compreensão do conflito”, enfatiza Michele.

O Direito é construído diante das relações humanas e o direito sistêmico é uma nova abordagem. De acordo com a advogada Michele, o Direito é uma ciência com tradição e está dentro de um legado positivista. “Eu passo o problema para o Judiciário e ele dá uma resposta. O direito sistêmico procura analisar a questão sociológica e como lidar com o conflito. Ele não é obrigatório e não substituirá o direito em si. É uma abordagem, uma ferramenta que está à disposição da sociedade”, destaca.

Contudo, apesar dos pontos positivos, o principal obstáculo do direito sistêmico é a falta de normatização. A advogada Mayara acredita que a sociedade passará a crer que a ferramenta é válida ou eficaz quando existirem as normas. Michele complementa que o direito sistêmico analisa com profundidade a questão emocional. “E não são todas as pessoas que estão preparadas para esse olhar”.

Da Redação

TOLEDO

COMISSÃO

A Comissão de Direito Sistêmico da OAB/PR, subseção de Toledo tem como objetivo difundir o direito sistêmico, porque muitas pessoas nem sabem do que se trata e, em alguns momentos, o desconhecido leva a não ser aceito. O direito sistêmico implica uma mudança de postura frente ao Direito. As advogadas Mayara e Michele comentam o tema tem sido abordado em palestras, workshops, universidades, entre outros locais. “Nós estamos avançando aos poucos no município e na região”.

Primeiro

Sami Storch foi o primeiro juiz a aplicar, em Castro Alves, na Bahia, no Fórum do Júri, em 2012. Com as constelações, se traz uma visão das relações familiares dessa família, harmonizando assim, as questões processuais. Um olhar mais humano, não quer dizer olhar para vitimização, e sim, tentar entender o porquê ela se comporta daquela maneira.

Comissão*

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS), da Agência Senado, promoveu audiência pública, em março deste ano, para debater as práticas de constelação familiar e cura sistêmica. Participou da audiência a terapeuta alemã Sophie Hellinger, presidente da Hellinger Schule. Ela é a viúva de Bert Hellinger, o criador do método de constelação familiar. A Hellinger Schule é um instituto criado para promover cursos e seminários e para treinar consteladores familiares. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 16 estados e o Distrito Federal usam a constelação familiar em Varas da Família e em casos de violência doméstica. A prática também faz parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Sistema Único de Saúde (SUS).

*Fonte: Agência Senado

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